28 de março de 2024
https://voyager1.net/historia/a-historia-do-macarthismo-no-brasil/attachment/ovo-da-serpente/

Fonte da imagem: Voyager

Gésner Braga*

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Há quatro dias, agi por conta própria e me dirigi a uma emergência psiquiátrica onde fui diagnosticado com quadro depressivo. Ao longo de aproximadamente uma hora de atendimento, narrei os acontecimentos das minhas últimas semanas, em meio a um choro convulsivo. Foram prescritas medicações para controle de ansiedade, insônia e depressão, os quais já estou fazendo uso. Também foi recomendado iniciar um tratamento imediato, o que acatarei.

Sempre me considerei uma pessoa muito resistente e superei as condições de vida mais adversas de forma independente, como sucessivos bullyings vividos no ambiente escolar dos cinco aos quinze anos de idade, além de tristezas profundas e consequentes sensações de morte iminente, fatos que minha família desconhece, justamente porque eu sempre fiz questão de resolvê-los pelos meus esforços.

Mas agora é diferente. O que me angustia e me leva ao fundo do poço da depressão não são questão que dizem respeito somente a mim e ao meu estar no mundo. É algo muito além do que sou, é exercício de alteridade em sua magnitude mais ampla. De fato, desde o primeiro turno das eleições, eu embarquei numa batalha diuturna contra o psicopata fascista, a bosta n’água que quer brincar de presidente de República com seus asseclas descerebrados.

Não, eu não penso em mim. Eu penso em centenas de milhares de pessoas LGBT+ que conquistaram direitos a duras penas, como casar, adotar filhos, ser tratadas pelo nome com que se identificam, ter esses nomes registrados formalmente em certidão de nascimento, documento de identidade e outros, ter atendimento médico respeitoso e adequado à condição em que se apresentam e outras tantas vitórias que nos são muito caras. E todos esses direitos podem ser caçados ou perseguidos por um néscio soldadinho de chumbo se ele for vitorioso. Pensei no extermínio da população negra que já é flagrante e tenderá a aumentar pelo gatilho do racismo institucional. Pensei na cruel violência diária contra mulheres, agora legitimada pelo discurso machista e misógino do verme. Pensei em outras tantas barbaridades.

Por tais dilemas, minha pressão tem se mantido alta e o sono foi embora. Como não suportava mais noites em claro, fui à emergência psiquiátrica e o resto vocês já sabem. Uma ira incontida me domina e me afunda ao perceber que uma onda fascista, da espécie mais abjeta, tem crescido ao longo dos últimos anos. O sinal mais emblemático da instalação definitiva da degradação política no Brasil se deu nas eleições de 2014, cujos eleitos foram empossados em 1º de janeiro de 2015, formando o Congresso mais conservador da história daquela casa legislativa desde a redemocratização do país, nos anos 80.

A mesma história se repete agora em 2018, e as eleições catapultaram para o Congresso de 2019 embustes que venceram ao lançar mão de uma velha tática para ganhar visibilidade e consequente eleitorado: a forma mais execrável de polêmica, baseada em mentiras e difamações infundadas. Figuras de competência bem questionável ou nula como Alexandre Frota, Eduardo Bolsonaro, Isidório, Kim Kataguiri e Marco Feliciano (só para citar alguns, mas a lista é vastíssima) têm suas cadeiras garantidas a partir de 1º de janeiro do próximo ano.

Foi também em 2014 que Jair Messias Bolsonaro – a quem carinhosamente trato pelo codinome “Já ia mansinha a bosta n’água” – anunciou seu desejo em subir a rampa do Palácio do Planalto com as honrarias de presidente eleito. Contumaz no uso excessivo da mesma prática de mentiras, polêmicas e incitação ao ódio, ele conhece bem como funciona a grande mídia (tanto quanto Hitler dominava a comunicação de massas) e dá o que ela quer: polêmica = audiência = vendas.  Ao longo do tempo, vi sua popularidade crescer muito rapidamente, como era de se esperar que acontecesse.

Era de se esperar? Não. Todos os meus amigos a quem revelei meu temor pela possível eleição de um psicopata fascista ao cargo de presidente da República foram unânimes em dizer que ele não conseguiria tal feito. Aleguei que tempos sombrios já se delineavam há longa data, que a composição do Congresso Nacional em 2015 demonstrava que o ovo da serpente foi cuidadosamente incubado e começava a romper sua casca. Mesmo a eleição de um lunático à Presidência dos Estados Unidos não conseguiu dobrar o ceticismo dos meus amigos sobre um desfecho semelhante ou muito pior no Brasil. Foi necessário chegarmos ao resultado do primeiro turno das eleições presidenciais para que eu pudesse finalmente provar aos meus amigos que eu não era um visionário. Eles que eram ingênuos. Receio que agora seja tarde demais para reparar o erro da indiferença quanto ao abismo à frente.

Se, por um lado, tenho amigos que, antes apáticos, agora reforçam às trincheiras no combate ao avanço do fascismo, tenho outros tantos familiares e amigos que acreditam ser o psicopata despótico a solução para todos os seus males, como um elixir vendido pelas Organizações Tabajara. Nitidamente movidos por um ódio antipetista, simplesmente ignoram tudo o que de perverso, leviano, odioso, sórdido e falacioso o mito (lá deles) diz e faz. Não importa que ele autodeclare seu racismo, machismo, misoginia, homofobia e transfobia, que declare seu desprezo a pobres e índios, que apoie a tortura e o extermínio de inimigos ou que decida acabar com toda e qualquer forma de ativismo social, justamente uma das expressões da voz popular. O que importa é a hombridade que ele representa. Oi? Será que eu entendi direito? Vejamos…

Curiosamente, esses meus familiares e amigos apoiadores do fascismo expresso no discurso de ódio ardiloso de um tirano ignoram as evidências de uma campanha construída na estratégia de difusão de mentiras pelas redes sociais, especialmente WhatsApp. Teoria da conspiração? Pesquisem sobre Steve Bannon e a bem sucedida campanha de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos. Mas eu dou umas dicas: todo mundo com um smartphone tem WhatsApp, aplicativo que virou uma ferramenta de comunicação moderna e indispensável. Portanto, o perfil de usuário é diverso, incontável. É também um recurso próprio para notícias rápidas, com capacidade de difusão veloz e sem limites. Como o alcance é o mais amplo possível e muito veloz, as notícias veiculadas nem sempre ou quase nunca são objeto de averiguação de veracidade. Vivemos imersos em uma cultura acrítica. As pessoas não têm costume ou vontade de avaliar as informações que chegam em suas mãos. Por essa razão, o WhatsApp se tornou o maior vetor de notícias falsas. Os apoiadores do fascista sabem disso e tiram grande proveito.

Ah, essas mesmas pessoas devem estar ignorando por completo a denúncia de caixa 2 que a campanha de Bolsonaro usou e abusou para difundir mentiras à exaustão. Onde foi mesmo que ficou a honestidade do candidato de vocês? Ah, já sei! Vocês vão dizer que isso tudo é invenção de mídia golpista, provavelmente financiada por petralhas. Aliás, devem estar achando que eu também me enquadro nesta categoria. Danem-se!

Sim, digo e repito: danem-se todos vocês familiares e amigos que apoiam um lunático, farsante, fascista, que incita ódio e violência. Danem-se, pois, desde o final de semana do primeiro turno das eleições, a minha vida se tornou um caos. Eu constatei que a cultura fascista ganhou corpo em todo o país e as pessoas não têm mais vergonha de se mostrar racistas, machistas, homofóbicas, transfóbicas, violentas, cruéis e assassinas. Tornar-se opressor virou status e eu sou um dos alvos preferenciais.

É triste perceber que o que há de mais vil em política no mundo é considerado mito por uma multidão de acéfalos movidos pelo ódio e, portanto, cegos. O verme é tão desprezível e tão ultradireita que até a extrema direita o repudia. Ele só tem mesmo o apoio de militares truculentos e arrogantes, de salafrários evangélicos neopentecostais, de empresários sonegadores, do partido com uma das maiores quantidades de políticos caçados, do atual mentor da Ku Klux Klan e de pessoas desequilibradas iguais a ele.

Tenho assistido o recrudescimento da violência motivada pelo ódio gratuito contras pessoas LGBT+. Tenho recebido relatos diários de amigos meus ameaçados em casa, na rua, no trabalho. Tenho visto o horror tomar conta do dia-a-dia dessas pessoas. Já estávamos habituados a violências físicas e psicológicas, algumas fatais, mas a situação fugiu do controle e tomou proporções gigantescas e preocupantes. É flagrante que os pregadores de fúria (como o fascista candidato à presidência) consideram homossexuais e transexuais a escória humana, aquele tipo de gente que eles preferem distante ou mesmo morta. Pois esse discurso deflagra e legitima uma série de ações violentas contra pessoas LGBT+, inclusive homicídios motivados exclusivamente por ódio.

Quando eu digo a amigos meus, principalmente aqueles apoiadores da bosta n’água, que a eleição de um fascista transformará o Brasil numa Rússia que tem a LGBTfobia como política de governo, o povo acha que é exagero meu. Os atos de violência perpetrados diuturnamente pelas gangues bolsonaristas são o prenúncio de que a violência contra pessoas LGBT+, que já é grande, aumentará ainda mais e se tornará ainda mais cruel. E eu posso ser uma vítima. Nunca esqueçam disso!

Por tudo isso, estou realmente abalado, mas o medo não se apossou de mim. Eu estou irado, possesso, virado no cão, com sangue nos olhos e com vontade de voar em muita jugular. Mas medo não! O medo vai me fragilizar, vai me sufocar, vai frear meus instintos e minha sede de reação! Sou da luta e dela não saio. Daqui em diante, estarei sempre em posição de combate, pois o que vem por aí não é nada bom independente do resultado das eleições. Se eu caí em depressão, ela não conseguiu me imobilizar e esse texto é prova disso. Busquei ajuda por conta própria, solicitei prescrição de medicamentos que não me dopassem e que me mantivessem alerta. E ante tal diagnóstico, decidi romper com circunstâncias que podem me adoecer. Evitarei a convivência com aprendizes de fascista. Cortarei relações para ficar longe das bestas feras e isolar essas energias nefastas.

Portanto, bye, bye, babies. A quem couber essa carapuça, recomendo esquecer minha existência.

Gésner Braga é gay, jornalista e ativista do movimento LGBT+

10 thoughts on “Carta aberta aos familiares e amigos que apoiam o psicopata fascista

  1. Meu amor, eu te amo, te amo profundamente, por vc ser quem é, por vc estar sempre comigo, por vc NUNCA não estar disponível quando te chamei, nem precisei gritar, vc sempre esteve vivo e presente. Grato pela sua existência, grato pela sua força, grato pelo seu carinho. Rompa, rasgue, quebre, estraçalhe o q não presta, depois jogue no devido lugar, no lixo, e vá, sem olhar pra trás. Vc é lindo é no seu caminho vai encontrar Rosas preciosas, diamantes incríveis, todos refletindo o q vc é. Minha felicidade de vida é ter pessoas como vc na minha vida. Vale a luta em não me permitir jamais desistir de mim, do amor, do sorriso, da confiança. Eu não vou me transformar, jamais, naquilo q eu enojo. Não tenha medos bem lamente por esses lixos q vc coloca no devido lugar, vc não merece isso. Se afaste, pq o lixo, mesmo a gente tentando reciclar, pode acumular e a gente adoece. Fico feliz q vc percebeu o princípio da doença, fico feliz q seu segundo passo foi LIMPAR sua “casa”, sua existência. Não tenho dúvidas q vc tá de pé, e não tá só, jamais. Te amo e eu sou um elo na sua corrente.

    1. Sim, eu rejeito o que me adoece e reajo contra o que me ameaça. Você é um exemplo de resistência e superação e nós seguimos os mesmos passos. Eu declarei guerra ao ódio e não vou “fraquejar” porque não sou covarde. Seguirei firme o caminho que tracei para mim. Ninguém me fará desviar.

  2. Belíssimo texto amigo . Concordo com tudo que disse. Sim, já estamos vivendo um período sombrio. A omissão das pessoas , a desinformação, em achar que nada irá acontecer, que é exagero, vem fortalecendo cada vez mais a sua candidatura. Muito triste e tenebroso o que estamos vivenciando.

  3. Gesner, compartilho com você e com muitos essa indignação. Estou sofrendo muito, ansiosa, às vezes apática por conta dessa ameaça fascista, desse retrocesso, mas, fico ainda mais decepcionada, com pessoas que faziam parte do meu ciclo de amigos, revelando seu lado mais podre. Por isso, também, resolvi eliminá-las da minha vida. Parabéns e devemos ser mais fortes nestes dias sombrios.
    Abraços
    Fátima

    1. Às vezes, penso que ao menos para esse fim toda essa história serviu: para mostrar quem tipo de gente me cerca. Mas sigamos firmes porque a guerra apenas começou.

  4. Parabéns pela lucidez do seu texto tão fiel à realidade da nossa vida aqui nesse país doente. Também estou um tanto impactada com essa “onda” q apossou tantas pessoas do nosso convívio, inclusive as q são alvos do discurso do fascista. Muito decepcionada com esse nosso povo, uma tristeza imensa me invade!

  5. Força Gesner, ainda somos uma “pequena grande minoria” e, como vc também, me sinto ameaçada por ter nascido do sexo feminino, também alvo de discriminação, mas apesar de haver algo a temer, como diz a música:
    “Todos juntos somos fortes
    Somos flecha e somos arco
    Todos nós no mesmo barco
    Não há nada pra temer
    – Ao meu lado há um amigo
    Que é preciso proteger
    Todos juntos somos fortes
    Não há nada pra temer”

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