28 de março de 2024
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Leonardo Sakamoto*
Publicado no Blog do Sakamoto, em 24 de setembro de 2015

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(Imagem: Apartamento 702)

Por conta da pressão da Frente Parlamentar Evangélica junto ao que já foi a Presidência da República, o Ministério da Educação substituiu o Comitê de Gênero (que poderia contribuir no combate à homofobia, à transfobia e ao machismo e na promoção da diversidade na educação), pelo Comitê de Combate às Discriminações – que de tão amplo, pode ser qualquer coisa.

Eu acho ótimo essa interferência da religião nas políticas públicas do país. Sério mesmo. Tudo o que sempre sonhei era com homens sagrados (mulheres não, porque são as culpadas pelo pecado original) decidindo o que podemos ou não fazer.

Sobre o Comitê de Gênero, eles têm razão. Pois Levítico 18:22 deixa bem claro: “Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante”.

Mas, então, por que parar por aí? Atacar minoria é fácil, qualquer líder religioso covarde consegue. Que tal algumas mudanças que afetem os grandes com base nas “Leis de Deus”? Afinal, a bíblia considera uma pá de coisas como repugnantes e abominações.

Abaixo a Constituição Federal! Vida longa à bíblia! Vamos conduzir o país com base na interpretação literal do sagrado livro do cristianismo.

Começaríamos acabando com o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, responsável por definir a taxa básica de juros da economia. Os juros seriam zero e sempre zero em nome de Deus (“Não lhe darás teu dinheiro com usura, nem darás do teu alimento por interesse”, Levítico 25:37). Sem poupanças, sem fundos de investimento, bancos seriam instituições de caridade, certas igrejas não investiriam o dinheiro dos fieis para o proveito de seus líderes.

O Ministério da Pesca e Aquicultura seria mantido na reforma ministerial, pois haveria uma tarefa para ele: fiscalizar as porções de frutos do mar, punindo quem pedisse um camarão no bafo ou aneis de lula empanados (“De todos os animais que há nas águas, comereis os seguintes: todo o que tem barbatanas e escamas, nas águas, nos mares e nos rios, esses comereis. Mas todo o que não tem barbatanas, nem escamas, nos mares e nos rios, todo o réptil das águas, e todo o ser vivente que há nas águas, estes serão para vós abominação”, Levítico 11:09 e 10). Ao invés disso, comeríamos homus de grão de bico, que é comida da Terra Santa.

Também seria estabelecida a Comissão de Costumes e Tradições para verificar se o comportamento da população condiz com a palavra de Deus – creio que poderíamos usar como o Irã como padrão de sucesso. Composta de forma paritária por membros do poder público e representantes de denominações cristãs, ela teria o poder de fiscalizar e autuar quem estivesse em pecado, como usar biquinis na praia. Nela, claro, haveria a Subcomissão do Corte de Cabelo (“Não cortem o cabelo dos lados da cabeça nem aparem as pontas da barba”, Levítico 19:27). Inspetores da comissão ficariam de guarda na frente da São Paulo Fashion Week.

Outras duas comissões, montadas no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, diriam o que os empresários podem e o que não podem fazer após uma análise da bíblia. E quem desrespeitasse terá seu negócio fechado. (“Obedeçam às minhas leis.? Não cruzem diferentes espécies de animais. ?Não plantem duas espécies de sementes na sua lavoura.? Não usem roupas feitas com dois tipos de tecido”, Levítico 19:19).

Para tanto, poderíamos aprovar a “PEC dos Apóstolos”, do deputado federal Cabo Daciolo (ex-PSol, hoje sem partido), para enterrar de vez o Estado laico – nossa Viúva Porcina, pois é aquele que foi sem nunca ter sido. Ele propôs uma mudança no primeiro artigo da Constituição de “todo o poder emana do povo” para “todo o poder emana de Deus”.

Dessa forma, a gente prepara o terreno para a segunda vinda do Messias. Ou para a chegada do meteoro.

Particularmente, torço para o meteoro.

* Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP e pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York, é diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.

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