25 de abril de 2024

18 de Dezembro de 2013

Caras Senadoras e Caros Senadores,

Nós, pessoas físicas e organizações da sociedade civil abaixo assinadas, manifestamos o nosso profundo REPÚDIO à postura do Senado Federal, que, no último dia 17 de dezembro de 2013, acovardou-se ao acolher requerimento formulado por opositores do PLC 122/06 para que o referido projeto seja apensado ao “Projeto de Código Penal” (PL 236/2012). O Senado simplesmente ratificou o seu profundo desprezo institucional à população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) brasileira.

O pretexto regimental usado não supera quaisquer razões de bom senso (razoabilidade) ante a urgência social relativa à necessidade de criminalização específica das discriminações, ofensas, agressões e homicídios motivados na orientação sexual e identidade de gênero da pessoa. Populações vulneráveis evidentemente não podem esperar os muitos anos que um projeto de código normalmente leva para ser votado. Ora, estamos vivendo verdadeira banalidade do mal homofóbico ante a enormidade de agressões, discriminações, ofensas e assassinatos cometidos contra pessoas LGBT por sua mera homossexualidade, bissexualidade, travestilidade e/ou transexualidade, real ou presumida. Registre-se, aliás, que tivemos recentemente casos de homens heterossexuais sofrendo agressões por motivação homofóbica ao serem “confundidos” com homossexuais apenas por estarem abraçados, como se um homem não pudesse demonstrar afeto (inclusive fraterno) por outro [1].

Assim, é uma leitura absurdamente fria e insensível aquela que considera que o tema da criminalização da homofobia e da transfobia deveria ser debatido necessariamente com todo o Projeto de Novo Código Penal. O Regimento Interno do Senado diz que é “lícito” (permitido) que se faça a tramitação conjunta de projetos sobre a mesma matéria (art. 258), o que é muito diferente de considerar tal procedimento “obrigatório”. Ora, é fato notório que um projeto de código demora muitos anos para ser votado [2], além da própria polêmica gerada por críticas de renomados juristas (criminalistas) ao referido projeto [3], o que demonstra que o mesmo certamente será alvo de profundas polêmicas (e longos debates) sobre temas não relacionados à homofobia e à transfobia. Este cenário é incompatível com a urgência da referida criminalização (PLC 122/06) e demanda uma compreensão mais sensível do Senado Federal.

Ao mesmo tempo, não se pode deixar de registrar que esse requerimento de apensamento configurou-se numa claríssima estratégia dos opositores do PLC 122/06 para procrastinar a discussão. Justamente por saberem da longa demora na deliberação definitiva de um código é que tal requerimento foi proposto neste momento. Além disso, esta é uma estratégia pautada na mais pura hipocrisia de seu autor, que claramente irá se opor à referida criminalização quando ela for debatida no futuro. Não se diz que todo aquele que votou pelo apensamento teria tal postura hipócrita, já que muitos votaram com base na leitura fria e insensível da situação citada no parágrafo anterior. De qualquer forma, a aprovação deste requerimento consolida ainda mais a absurda situação criada por parlamentares conservadores/reacionários em nosso Congresso Nacional: não aprovam projetos de lei contrários aos dogmas religiosos ou aos valores conservadores de suas bases reacionárias, mas ao mesmo tempo não os rejeitam, o que denota que não querem decidir para não soarem “politicamente incorretos”. Não há como ter outra impressão a não ser esta, de junção de conservadorismo e covardia em assumi-lo formalmente.

Nesta mesma sessão plenária, foi aprovado requerimento feito pelo Deputado Vital do Rêgo (PMDB-PB), apoiado pelo Senador Magno Malta (PR-ES) para retirar do Projeto de Novo Código Penal toda e qualquer menção à “orientação sexual” e “identidade de gênero”, o que prova a citada hipocrisia dos opositores ao PLC 122/06, que com isso conseguem que o referido projeto não puna os crimes homofóbicos e transfóbicos [4]. O fundamento apresentado é simplesmente absurdo: configura profunda ignorância ou pura má-fé afirmar que tais expressões não estariam consolidadas na literatura nem na história legislativa. Ora, diversos países já aprovaram leis penais punindo discriminações por “orientação sexual” e por “identidade de gênero” [5], bem como Constituições Estaduais, Leis Orgânicas Municipais e leis estaduais e municipais antidiscriminatórias brasileiras também as utilizam.

Além disso, os Princípios de Yogyakarta expressamente definem tais conceitos [6], citados por Resoluções das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) [7] – pois é notório a quem tem conhecimentos sobre o tema que a primeira expressão refere-se à homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade, e a segunda à travestilidade, à transexualidade e à cisgeneridade (identificação com o gênero socialmente atribuído a seu sexo biológico), real ou presumida em ambos os casos. Logo, termos que se referem a homossexuais, heterossexuais e bissexuais no primeiro caso e a travestis, transexuais e pessoas que se identificam com o próprio gênero atribuído no segundo caso. Tanto que a “orientação sexual” foi citada pelo próprio Governo Federal ao estabelecer, no item n.º 116 do 2º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 2) o dever estatal de “Propor o aperfeiçoamento da legislação penal no que se refere à discriminação e à violência motivadas por orientação sexual” [8].

De qualquer forma, parlamentares preocupados com o significado de tais expressões poderiam ter apresentado propostas de especificação de seu conteúdo, para assim afastar os “temores” a “direitos alheios” ou algo do gênero, o que nunca foi feito pelos opositores do projeto. Isto tudo apesar das diversas audiências públicas pelas quais passou o PLC 122/06, o que prova que os senadores contrários ao projeto atuam de forma puramente destrutiva, nunca propositiva.

Por outro lado, o que o Congresso Nacional claramente precisa entender é que democracia não significa “ditadura da maioria”, mas governo do povo, pelo povo e para o povo (conceito clássico), sendo que as minorias também fazem parte do povo e, por isso, não podem ser oprimidas por posições totalitárias/preconceituosas de grupos majoritários quaisquer, o que obviamente também se aplica à minoria LGBT. Democracia é o regime jurídico de defesa dos direitos fundamentais (José Afonso da Silva), o que significa que a maioria não pode negar à minoria direitos que concede a si e muito menos negar uma proteção que ela tanto precisa, como a proteção penal demandada pelo PLC 122/06.

Isso tem absoluta relevância porque a população LGBT é uma minoria vulnerável, um grupo historicamente estigmatizado, razão pela qual um Legislativo minimamente preocupado com os direitos humanos e que não tenha como principal preocupação a reeleição não pode deixar de proteger grupos vulneráveis apenas por eles não conseguirem se mobilizar politicamente em número de eleitores maior do que o da maioria que os oprime — mesmo porque, como minoria que é, dificilmente conseguirá maior quantidade de votos do que o grupo majoritário que lhes oprime. Não à toa, o Judiciário, na função contramajoritária a ele inerente, tem garantido o direito à igualdade de direitos à população LGBT ante a inércia inconstitucional do Congresso Nacional em fazê-lo. Logo, o Legislativo claramente precisa de aulas de cidadania mediante a compreensão das decisões judiciais garantidoras de direitos da população LGBT.

Nesse sentido, cabe lembrar que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já conclamou o Brasil em pelo menos duas oportunidades a garantir uma proteção efetiva à população LGBT. Com efeito, em 07.07.12 “a comissão observa que existem problemas nas investigações destes crimes, o que conduz, em parte, a que não se abram linhas de investigações que considerem se o delito foi cometido em razão da identidade de gênero ou orientação sexual das vítimas. A inefetividade da resposta estatal fomenta altos índices de impunidade, os quais, por sua vez, propiciam uma repetição crônica, submetendo vítimas e seus familiares a uma situação de desamparo” [9] Ato contínuo, em 16.07.12 a Comissão conclamou o Brasil “a adotar ações para evitar e reagir a esses abusos aos direitos humanos e garantir que as pessoas [LGBT] possam exercer efetivamente seu direito a uma vida livre de discriminação e violência, incluindo a adoção de políticas e campanhas públicas, assim como as reformas necessárias para adequar as leis aos instrumentos interamericanos em matéria de direitos humanos” [10].

Pois bem, fazer tal apensamento do PLC 122/06 de vai claramente no sentido oposto à requisição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no sentido de adequação das leis nacionais mediante uma resposta estatal efetiva para combater os altos índices de impunidade nos crimes e discriminações cometidos contra a população LGBT. Vai claramente contra a requisição da Comissão pela garantia dos direitos humanos de dita população, o que mostra o desprezo do Senado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Em suma, ante todo esse contexto e reiterando todos os termos da Carta Aberta ao Senado Federal sobre o PLC 122/06 amplamente divulgada na internet e nas redes sociais [11], manifestamos nosso completo REPÚDIO ao Senado Federal pela decisão de apensar o PLC 122/06 no Projeto de Código Penal e EXIGIMOS que o projeto seja desapensado para ter tramitação autônoma, ante a não obrigatoriedade da “licitude” regimental que possibilita (e não obriga) a tramitação conjunta (art. 258), pela possibilidade de acolhimento de emenda a projeto de lei para que tenha tramitação própria (art. 265) e, principalmente, pela extrema urgência relativa à criminalização da homofobia e da transfobia na atualidade.

Acesse aqui a nota de repúdio e confira a lista completa de signatários.

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Veja também: a lista de quem votou a favor e contra a homofobia.

Notas

[1] “Homem confessa agressão a pai e filho por confundi-los com casal gay e é libertado” (cf.http://goo.gl/qZMJMy, último acesso em 17.12.13); “Abraço de irmãos acaba em ataque homofóbico e morte na Bahia” (cf.http://goo.gl/bdRBbX, idem) .

[2] O atual Código Civil levou mais de duas décadas e os Projetos de Código de Processo Civil e Penal estão há anos aguardando aprovação.

[3] Renomados criminalistas já demonstraram seu completo descontentamento com o Projeto de Novo Código Penal, a saber, Gustavo de Oliveira Quandt, Luis Greco, Alaor Leite e Paulo César Busato, o que fizeram em Edição Especial da Revista Liberdades, do IBCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, dedicada especificamente à análise do referido projeto (cf.http://goo.gl/tHXEzI, último acesso em 17.12.13). Também a respeitada Professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo, Janaina Conceição Paschoal, acaba de publicar artigo em que critica o projeto apesar das alterações feitas pelo seu atual relator (cf.http://goo.gl/N6L5EG, idem). Sem adentrar no mérito dessas críticas, elas mostram que o referido projeto trará muita polêmica e que, assim, provavelmente demorará muito tempo para ser votado, como é normal quando se discutem projetos de códigos.

[4] Cf.http://goo.gl/IVFSHc, último acesso em 17.12.13.

[5] “O PLC 122/06 não é atípico ou inovador no cenário internacional. A homofobia e a transfobia já são criminalizadas em mais de 59 países, tais como Canadá, Dinamarca, Espanha, França, Noruega, Holanda, Portugal, Reino Unido, Suécia, África do Sul, Estados Unidos, Andorra, Bélgica, Bolívia, Colômbia, Equador e Chile, nos quais as expressões “orientação sexual” e/ou “identidade de gênero” foram acrescidas aos critérios proibidos de discriminação e ensejadores de punição criminal. Sobre o tema, lembre-se que “orientação sexual” não tem nenhuma relação com pedofilia, como acusam levianamente os opositores do projeto. Orientação sexual refere-se à homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade da pessoa, real ou atribuída. Identidade de gênero refere-se à transexualidade e à travestilidade. Logo, a pedofilia não é protegida pelo PLC 122/06 – tanto que referida criminalização nestes países nunca legitimou a pedofilia, diga-se de passagem” (cf. “Carta Aberta ao Senado Federal sobre o PLC 122/06”, disponível em http://goo.gl/QJT7fG.

[6] Cf. http://goo.gl/h1G2gp, último acesso em 17.12.13.

[7] Segundo o site da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, temos as seguintes Constituições Estaduais que preveem a proibição da discriminação por orientação sexual, embora sem atribuir pena nenhuma a ela: Mato Grosso, Sergipe, Pará e Alagoas. Segundo a mesma fonte, temos os seguintes Estados com leis antidiscriminatórias que protegem a população LGBT (lembrando que a lei estadual carioca foi declarada inconstitucional, por “vício” de iniciativa, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgamento que pende de recurso ao STF e ao STJ): Rio Grande do Sul (Lei Estadual 11.872/02; Distrito Federal (Lei Distrital 2.615/00); Minas Gerais (Lei Estadual 14.170/02); São Paulo (Lei Estadual 10.948/01); Mato Grosso do Sul (Lei Estadual 3.157/05); Piauí (Lei Estadual 5.434/04); Pará (Lei Estadual 6.971/07); Paraíba (Lei Estadual 7.309); e Maranhão (Lei Estadual 8.444/06). Também segundo a mesma fonte,  as seguintes cidades com proibição à discriminação por orientação sexual em suas leis orgânicas, embora também sem atribuição de penas para ela: no Amapá – Macapá (art. 7º); na Bahia – América Dourada (Art. 8), Araci (Art. 10), Caravelas (Art. 8), Conceição da Feira (Art. 6), Cordeiros (Art. 8), Cruz das Almas (Art. 236), Igaporã (Art. 200), Itapicuru (Art. 1), Rio do Antônio (Art. 10), Rodelas (Art. 10), Salvador (Art. 1), São José da Vitória (Art, 140), Sátiro Dias (Art. 4) e Wagner (Art. 10); no Ceará – Barro (Art. 8), Farias de Brito (Art. 8), Fortaleza (Art. 10), Granjeiro (Art. 188) e Novo Oriente (Art. 213); no Distrito Federal – Brasília (Art. 2); no Espírito Santo – Guarapari (Art. 2), Mantenópolis (Art. 10) e Santa Leopoldina (Art. 7); em Goiás – Alvorada do Norte (Art. 2); no Maranhão – São Raimundo das Mangabeiras (Art. 8); no Mato Grosso – Constituição Estadual e Pedra Preta (Art. 10); em Minas Gerais – Cataguases (Art. 8), Elói Mendes (Art. 207), Indianópolis (Art. 6), Itabirinha de Mantena (Art. 3), Maravilhas (Art. 6), Ouro Fino (Art. 8), São João Nepomuceno (Art. 225) e Visconde do Rio Branco (Art. 9); na Paraíba – Aguiar (Art. 8); no Paraná – Atalaia (Art. 7), Cruzeiro do Oeste (Art. 8), Ivaiporã (Art. 6), Laranjeiras do Sul (Art. 2) e Miraselva (Art. 8); em Pernambuco – Bom Conselho (Art. 161); no Piauí – Pio IX (Art. 8) e Teresina (Art. 9); no Rio de Janeiro – Arraial do Cabo (Art. 9), Barra Mansa (Art. 9), Cacheoiras de Macacu (Art. 8), Cordeiro (Art. 7), Italva (Art. 3), Itaocara (Art. 13), Itatiaia (Art. 8), Laje do Muriaé (Art. 3), Niterói (Art. 3), Paty do Alferes (Art. 14), Rio de Janeiro (Art. 5), São Gonçalo (Art. 3), São Sebastião do Alto (Art. 8), Silva Jardim (Art. 5) e Três Rios (Art. 7); no Rio Grande do Norte – Grossos (Art. 136) e São Tomé (Art. 9); no Rio Grande do Sul – Sapucaia do Sul (Art. 153); em Santa Catarina – Abelardo Luz (Art. 106) e Brusque (Art. 5); em São Paulo – Cabreúva (Art. 5), São Bernardo do Campo (Art. 10) e São Paulo (Art. 2); no Sergipe – Constituição Estadual, Amparo de São Francisco (Art. 12), Canhoba (Art. 12), Itabaianinha (Art. 153), Monto Alegre de Sergipe (Art. 3), Poço Redondo (Art. 11) e Riachuelo (Art. 16); no Tocantins – Peixe (Art. 7) e Porto Alegre do Tocantins (Art. 8). Para a íntegra de algumas destas leis, videhttp://goo.gl/Wml6VI (acesso em 17.12.13). Para a relação de leis municipais, videhttp://goo.gl/LjLlZs (idem).

[8] Cf.http://goo.gl/JzThLG, último acesso em 17.12.13.

[9] Cf. a Resolução sobre “direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero” da ONU, de 17.06.11 (http://goo.gl/1o6jpV), e a Resolução equivalente da OEA, de 25.05.09 (http://goo.gl/CNVKyS).

[10] Cf. Decreto 4.229/02, item n.º 116. In:http://goo.gl/E2KzfB, último acesso em 17.12.13.

[11] Cf. http://goo.gl/XG42w3, último acesso em 17.12.13.

[12] Cf. http://goo.gl/oMHLJL, último acesso em 17.12.13.

[13] Cf. http://goo.gl/QJT7fG, último acesso em 17.12.13.

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