19 de março de 2024

Salvador, BA, quinta-feira, 18 de outubro de 2013

Por MARCELO CERQUEIRA

Como homem gay que sou, aprendo a cada dia a conviver, respeitar e proteger o gênero feminino de todo tipo de violência, porque uma vida sem violência é direto das mulheres. Todas elas, em especial as mulheres transexuais que reivindicam o pertencimento à categoria e uso do nome feminino nos documentos pessoais de identidade. Para isso, elas batem à porta do Poder Judiciário, na Bahia, pedindo a mudança de nome, conforme são reconhecidas no seu cotidiano, que não é “nada cor de rosa”. Reivindicação digna. Como pode uma pessoa com corpo feminino, jeito feminino, reconhecida pelo gênero, atender pelo nome masculino? É um insulto.

Millena Passos, assessora parlamentar, presidente da Associação de Travestis e Transexuais de Salvador (ATRAS), amarga decisão negativa expedida no último dia 7, pela juíza da Vara de Registros Públicos do Poder Judiciário da Bahia. A decisão da magistrada foi com base na informação de que o “interessado ainda não (havia se) submetido à cirurgia de sexo”. A juíza associa a mudança de nome com a mudança de sexo. Grande equívoco, pois uma coisa não se relaciona intrinsecamente com a outra, considerando que possuir apenas vagina não é condição para ser mulher. Isso me leva a pensar que a juíza não teve tempo de ler Simone de Beauvoir, para entender que mulher é uma condição social, assim como o homem, que não se nasce mulher, torna-se mulher. São poucas as trans que, realmente, desejam se submeter a esse procedimento caro, invasivo, para atender os caprichos do machismo. O nome social resolve de uma vez só a maior parte dos seus problemas.

Submeter mulheres transexuais de forma compulsória à cirurgia de “mudança de sexo” como condicionante para ser beneficiada, usar o nome social nos documentos, é uma miserável expressão do mesmo machismo, aquele mesmo que determina que o corpo da mulher é propriedade do macho, legitima o espancamento de mulheres por maridos violentos só porque o feijão não tá bom de sal ou porque chegou da rua e a comida não estava na mesa. Uma decisão dessa legitima o machismo e tira o caráter cultural da sexualidade humana que, justo pelo traço cultural e não meramente bilógico, faz do sexo e da sexualidade algo maravilhoso.

Em 2011, a então advogada Jurema Cintra, hoje membro da Comissão da Diversidade da Ordem dos Advogados do Brasil, ingressou com Ação Civil Pública na Vara de Registros Públicos, requerendo a retificação de registro civil de dezoito transexuais por ocasião do II Encontro de Travestis e Transexuais da Bahia. Em perspectiva, o destino das demais deve ser similar ao de Millena. E agora, mais que nunca, é preciso mobilização para reverter essa situação, inclusive a de Millena. É preciso olhar e olhar novamente para as mulheres transexuais e ver o feminino fabuloso que existe em cada uma delas. A juíza não sabe que, quanto mais humanas e femininas essas mulheres se tornam – e o nome social é condição de dignidade – mais lhes dói o corpo, a alma e sua essência feminina.

Por quê? Não é fácil ser mulher! Eu não sou mulher, mas sei disso por ver muitas vezes mulheres serem espancadas por maridos, estupradas, invizibilizadas e ser uma mulher lésbica nesse contexto. E muito mais ser, viver e entender-se como mulher trans que, mesmo sendo do gênero feminino, espaços tradicionais de circulação ainda lhes são negados, como usar o banheiro feminino. Situação dramática vivida por Vitória proibida de entrar no banheiro feminino de uma casa de espetáculo de Salvador, sensibilizando a vereadora Fabíola Mansur (PSB) a apresentar na Câmara Municipal Projeto de Lei que libera uso dos banheiros pela trans.

Compete ao ordenamento jurídico dispor de mecanismos que afastem a segregação social e garantam às pessoas a possibilidade de lutar pela diversidade, mesmo que choque e contrarie a rigidez dos papeis de gênero estabelecidos. De modo que, hoje, a dinâmica da sociedade e dos novos direitos e ainda avanços sociais que eclodem do seio dessa população especial, cuja sensibilidade consegue entender, buscar e materializar um futuro melhor em função de seu olhar privilegiado de trans, olhar de quem vê e percebe a vida através de um outro plano, o feminino que não é meramente biológico, mas esculpido no cotidiano, com as dores e as delicias de serem quem são, mulheres. Vamos fazer mobilização em favor das 18 trans que pediram mudança de nome na Bahia.

PROTESTO

DIA:

22 de outubro, terça-feira, às 15h.

LOCAL:

Poder Judiciário do Estado da Bahia – Comarca de Salvador Vara de Registros Públicos.

Rua do Tingui, s/n, Fórum Ruy Barbosa, sala 523 do, Campo da Pólvora – Nazaré. Salvador-BA.

OUTRAS FORMAS DE CONTATO COM O TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

Fone: 3320-6583.

E-mail: vrg@tjba.jus.br.

atotrans

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