28 de março de 2024

Redação Agência de Notícias da Aids

Publicado em 8 de novembro de 2013

enongO governo da presidenta Dilma Rousseff e a gestão de Alexandre Padilha no Ministério da Saúde – representados pelo diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Fábio Mesquita, – tentaram aparar as arestas das incompatibilidades estabelecidas nos últimos tempos com a sociedade civil. Na mesa que abriu o segundo dia do XVII Encontro Nacional de ONGs/Aids (Enong) em Salvador, Mesquita, com um tom conciliador e explicativo, se empenhou em mostrar que está aberto ao diálogo com o ativismo. Ele sinalizou que o governo quer de volta a representatividade dos ativistas nas instâncias que ajudaram a construir o que um dia foi o Programa de Aids mais elogiado em todo o mundo. Tamanho respeito com a plateia e a necessidade de chamar os militantes para o diálogo levaram o diretor a se manter em pé durante todas as suas falas, inclusive nos comentários e respostas dos ativistas. Ele só se sentou depois que o coordenador da mesa, Carlos Laudari, da organização Pathfinder Internacional, lhe disse que o evento permitia “tal informalidade”.

A proposta do Enong para a participação de Mesquita era de que a plateia tivesse com ele uma “conversa afiada” sobre as diretrizes do Ministério da Saúde no controle da aids. O diretor fez uma exposição em que relembrou a história da aids no mundo e a participação do Brasil no enfrentamento da pandemia até chegar ao cenário atual. “É preocupante, porque a aids não consta das metas do milênio após 2015 e isso quer dizer que teremos mais dificuldades em recuperar a importância que a doença tem de ter na agenda da saúde”, comentou.

Mesquita admitiu perceber que os ativistas hoje têm dificuldades de dialogar com serviços importantes, como os de atenção básica à saúde, o Conselho Nacional de Saúde, com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Mas essa e outras questões, como o financiamento das ONGs de forma mais ampla, estão em discussão no Departamento, que, inclusive, já carimbou um dinheiro para isso”, disse.

O tratamento antecipado, a possibilidade de as ONGs fazerem testes de HIV e a regionalização do atendimento foram temas que também ocuparam a fala de Mesquita. Em seguida, representantes de cada uma das cinco regiões brasileiras presentes no evento, escolhidos pelos delegados, sabatinaram o diretor do Departamento.

“Que impactos as novas medidas em relação ao atendimento na atenção básica vão causar nos municípios e nas pessoas vivendo com HIV/aids?”, quis saber Thania Regina Fernandes Arruda, da região Centro-oeste. Jair Brandão, da ONG Gestos, representante da região Nordeste, insistiu na pergunta: “Quando o Departamento vai nos chamar para discutir a posição do Brasil na agenda pós 2015?” Na mesma linha, Amujaci Brilhante, da região Norte, perguntou se o Brasil já pensou em estratégias para chegar à meta de zerar a epidemia de aids até 2030. Representante da região Sul, a educadora Syr-Daria Mesquita perguntou se há uma estratégia de prevenção dirigida aos jovens. E Cláudio Pereira, do GIV, representando a região Sudeste, questionou quando a combinação de três antirretrovirais em um comprimido vai ser adotada no Brasil.

Fábio Mesquita manteve o tom cordial ao responder aos ativistas. Explicou que o governo não está desativando os serviços de atendimento especializado e sim reforçando a atenção básica. “Nossa meta é incluir mais 100 mil pacientes no tratamento da aids no ano que vem e os serviços precisam estar preparados para recebê-los. Precisamos contar com a rede básica, não só com a especializada.” Mesquita explicou que estados e muncicípios terão autonomia para decidir como farão o atendimento. “Não é decreto. Em São Paulo, o secretário estadual da Saúde, David Uip, disse que não vai aderir ao atendimento na atenção básica. Já no município, o secretário José de Philippe Junior vai apoiar a iniciativa.”

O diretor do Departamento prometeu convocar os ativistas para uma conversa em breve, sobre as diretrizes pós 2015. Sobre as metas de acabar com a epidemia até 2030, ele esclareceu: “Vamos caminhar nesta direção. É para isso que as metas são colocadas. Se elas não forem atingidas em 2030, mas em 2035 isso já será extraordinário.”

Sobre a adoção dos três antirretrovirais em um, a chamada dose única, ele disse que a ideia é começar a distribuição no Brasil em 2014. “A Anvisa vai dar seu parecer no final dessa semana. Se não aprovar, temos como importar a dose única”, garantiu. Quanto ao tratamento específico para jovens, ele contou estar em conversas com as secretarias de educação, inclusive em Curitiba.

Por fim, Fábio Mesquita chamou cada um a assumir sua parte no combate à aids. “O Departamento tem um papel pequeno dentro do conjunto da obra que  precisamos realizar para acabar com a epidemia.”

Ativistas esperam atitudes concretas do governo

“O tom foi civilizado e conciliador. O governo parece que está mais humilde, mas cobramos posições para que promessas se tornem realidades”, comentou Veriano Terto Junior, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Nós vivemos muito os retrocessos. Resgatar os canais de comunicação poderá melhorar o diálogo, mas é preciso desenhar uma outra política, concluiu.

Jorge Beloqui, do Grupo de Incentivo à Vida (GIV) de São Paulo, comentou que o encontro aconteceu em um bom ambiente. “Mas diálogo não é monólogo cruzado. A saúde está precária no governo Dilma, que vai fazer campanha para se reeleger. Temos a situação de novas infecções no Rio Grande do Sul que mostram a realidade da falta de investimentos”.

“De toda essa conversa, o que mais me preocupa é a questão do aconselhamento”, disse José Araújo Lima Filho, do Espaço de Prevenção humanizada (Epah). “A adoção de novas técnicas não pode eliminar a conversa com os pacientes na base do atendimento, seja para o resultado positivo ou negativo.”

Para Carlos Laudari, o governo fez o papel dele e está tentando reatar. “Foi uma conversa produtiva, não houve tensão, senti muita maleabilidade. É uma reaproximação que se faz necessária.”

“Achei que essa conversa foi um dos momentos mais importantes de todos os Enongs de que participei”, comentou Jair Brandão. “É disso que a gente precisa: retomar as questões propositivas e construtivas. É preciso fazer críticas, mas com proposição. E ele (Fábio Mesquita) ter prometido que vai nos receber para falar da agenda pós 2015 foi uma conquista.”

Américo Nunes Neto, do Instituto Vida Nova de São Paulo, achou que o debate não foi completo. “As perguntas foram pertinentes, porém muitas coisas ficaram subjetivas. Acredito que nos próximos anos vamos avançar na luta contra a aids. Não sei se vamos atingir todas as metas, mas vamos avançar. Este momento é de reflexão. Vamos repensar os espaços de discussão que a sociedade civil vai ocupar.”

* A Agência de Notícias da Aids cobre o evento diretamente de Salvador com o apoio do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais.

Fonte: http://www.agenciaaids.com.br/noticias/interna.php?id=21559

1 thought on “Governo tenta afinar conversa com movimento social em debate sobre AIDS

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