28 de março de 2024
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Caio Locci (Foto: reprodução/Twitter)

Thais Carvalho Diniz
Publicado pelo portal UOL, em 16 de junho de 2015

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Caio Locci (Foto: reprodução/Twitter)

Na última quarta-feira (10), o pastor e deputado federal Marco Feliciano, por meio de sua página no Facebook, convidou pessoas a escreverem sobre mudanças profundas pelas quais haviam passado depois de ouvirem uma de suas mensagens. Ao ver o post passar pelo seu feed de notícias da rede social, Caio Locci, analista de eventos da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e militante das causas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), decidiu escrever como se aceitou homossexual.

Ao contrário do que muitos imaginavam, inclusive o próprio autor do texto, o comentário, que também discorre sobre como foi sua infância e a aceitação pela família, não foi apagado – e, até esta terça-feira (16), tem 449 respostas e 3.177 curtidas.

“Na hora que postei, não pensei em alfinetar, mas, sim, mostrar a minha trajetória de superação. Pensei que ele fosse apagar ou que tivesse uma repercussão negativa por causa de quem o segue nas redes, mas isso não aconteceu. Acredito que a publicação ainda está lá justamente pela visibilidade que ele está tendo e porque não ofendi a ninguém”, contou Locci ao UOL Comportamento.

Segundo Locci, quando resolveu escrever na página do pastor – conhecido por suas declarações polêmicas sobre os direitos dos homossexuais e o direito ao aborto –, não viu que a solicitação também pedia testemunhos de milagres a partir de “uma mensagem ministrada” por ele. “Só pensei em contar a minha história.”

O analista de eventos disse que respondeu a todas as réplicas e, mesmo nas que via palavras de evangélicos com intenção clara de ajudá-lo a “superar” a homossexualidade, seguiu a discussão a respeito do assunto em alto nível. Para ele, foi tudo muito positivo.

“Tentei usar um pouco da linguagem deles (evangélicos), afinal eu acredito em Deus, mas não como eles pregam. De forma educada e sutil, consegui responder a todos e não dei nenhum motivo que justificasse apagar o meu comentário. Foi aí que entendi como funciona o debate e que não adianta partir para a baixaria”, afirmou.

Veja abaixo o post de Caio Locci na página de Marco Feliciano. Para ver a repercussão, clique aqui

“Sou o primogênito, nascido em 1985 de parto normal, gerado e criado por um pai e uma mãe, ambos cristãos heterossexuais, assim como o meu irmão, um ano e meio mais novo.

Fomos criados exatamente iguais. Até roupa minha mãe comprava igual, para que não houvesse competição entre a gente. Já fomos inclusive confundidos com gêmeos.

Se a gente bagunçava, levava bronca, e se isso não bastasse, a gente apanhava. Já levei tapa, apanhei de cinta, levei beliscões… Tanto eu quanto meu irmão.

Minha família nunca foi rica, mas comida nunca nos faltou. Brincava na rua, junto com tantas outras crianças, descalço, ralando joelho, arrancando a ponta do dedão, batendo a cabeça, e sobrevivi.

Ganhava poucos brinquedos, mas eram sempre tão bem cuidados que tenho alguns até hoje. Brinquedos que me estimulavam a pensar, que juntavam as crianças da rua.

Tinha amigos brancos, negros, ricos, pobres, meninos e meninas. Tudo até aqui foi igual pra mim e para o meu irmão. No entanto, haviam brincadeiras que ele gostava mais e eu menos.

Mesmo jogando algumas vezes, nunca gostei de futebol, por exemplo. Não via diversão naquilo, entende? Preferia um jogo de tabuleiro, um jogo eletrônico, algo que eu pudesse usar mais a cabeça que o próprio corpo.

Sendo assim, acabei me aproximando mais das meninas, que tinham brincadeiras nas quais eu me divertia muito mais. Mas meu pai e minha avó insistiam que “menino brinca com menino” e foi então que eu comecei a ser diferenciado pelos meninos mais velhos.

Pra mim, não tinha problema um menino gostar de coisas que – não sei quem inventou isso – eram de meninas e vice-versa. Mas os mais velhos, que provavelmente passaram pelo mesmo, tentavam, de maneira um pouco agressiva, me mostrar que eu tinha de gostar das mesmas coisas que eles. Isso só me afastou mais ainda dos meninos.

Entrei um ano adiantado na escola e sempre frequentei escolas públicas. Na minha cidade, ainda não tinha escola particular e, mesmo que tivesse, meus pais não podiam pagar.

Fiz mais amigos, mais amigas. Os meninos eram chatos, me tratavam diferente, me chamavam de nomes que eu demorei a saber o que significavam, me empurravam nos corredores, colocavam o pé na minha frente para eu cair, atiravam coisas em mim, mexiam nas minhas coisas, e eu fui percebendo que era simplesmente porque eu não era igual a eles.

Eu fui crescendo – não muito em tamanho, admito – e percebendo que alguns meninos eram bonitos. As meninas também, mas os meninos… Ah, eles tinham uma beleza diferente, que me chamava mais a atenção.

Mas depois de tudo que ouvi e passei com os meninos mais velhos, me proibi de ter esses pensamentos e jamais permitiria que alguém soubesse disso, principalmente meus pais, o que me tornou uma pessoa totalmente fechada dentro de casa.

Minha vida na escola foi legal, mas conturbada. Eu me diverti muito, mas também fui muito apontado, xingado, humilhado, simplesmente porque preferia as coisas de menina às de menino. Então, a fim de evitar o hoje chamado bullying, fingi que gostava de menina, do jeito que as pessoas esperavam que eu gostasse, igual aos meus amigos. Fingi para as pessoas e pra mim mesmo. Foram 18 anos vivendo uma farsa.

Aos 18 anos, beijei o primeiro homem e, então, tive certeza de que eles me atraíam muito mais que do as mulheres, que, na verdade, nunca me atraíram realmente.

O que eu quero mostrar é que: nada, e eu enfatizo, absolutamente nada do que meus pais fizeram pra mim, deixaram de fazer para o meu irmão. Sempre tivemos tudo igual, seja o número de nuggets no prato, as roupas e o amor de nossos pais.

Meu irmão gosta de futebol, tem namorada, gosta de mulher e, ainda assim, respeita e ama o irmão homossexual que tem. Meu irmão me defende quando falam mal, fazem piada de mim ou me deixam triste. Meus pais amadureceram e compreenderam que eu simplesmente nasci assim.

Uma prova de que eles não nos diferenciam é que a namorada do meu irmão frequenta a casa deles com a mesma liberdade que o meu namorado também frequentava (sim, hoje estou solteiro).

Meus pais me dão a mesma liberdade em casa, que dão para o meu irmão. Não há diferenças entre nós em casa. Somos uma família e nos amamos, cada um com sua personalidade e respeitamos um ao outro, sem impor nossas vontades, ideias e caprichos. Isso se reflete fora de casa, com as pessoas com quem convivemos.

Eu não escolhi um dia começar a gostar de homem, assim como meu irmão não escolheu gostar de mulher. A única diferença é que a heterossexualidade dele é aceita e imposta como normal pela sociedade. Minha homossexualidade, infelizmente, não.”

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