24 de abril de 2024

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Uma conferência marcada por boas práticas e sem grandes avanços no rumo do enfrentamento da epidemia de AIDS

Diego Callisto*

Melbourne, Austrália – 20 a 25 de julho de 2014

A Conferência Internacional de AIDS 2014 serviu de start para a retomada de diálogos importantes, uma vez que as pessoas ali presentes, pesquisadores, membros de governo, membros das agências da ONU, ativistas, comunicadores e profissionais da saúde ou que trabalham com questões relacionadas ao HIV tivessem um norte, um direcionamento sobre a forma de enfrentando a epidemia de AIDS em seus respectivos países e regiões de trabalho, justamente pelo fato de que a conferência permitiu aos países a troca de experiências, o câmbio de informações e ações sobre boas práticas realizadas em relação ao HIV no campo do tratamento, da assistência, da prevenção e suas novas tecnologias entre outros aspectos, embora as discussões sobre agendas globais como o pós-2015 não tenham avançado muito em relação a abordagem do HIV na conferência.

Reuniões paralelas: delegação brasileira e jovens positivos

Durante a conferência, a delegação brasileira se reuniu no stand do governo brasileiro para fazer um panorama dos primeiros dias do evento e quais haviam sido suas percepções. Os participantes agradeceram a oportunidade de participação e ressaltaram aspectos interessantes entre as experiências internacionais e a brasileira. Foi consenso que a questão do idioma se tornou um entrave para praticamente todos os membros da sociedade civil brasileira, já que o idioma utilizado era o inglês e, ao contrário das outras conferências, não havia tradução simultânea em nenhuma língua. Como eu dominava a língua, ofereci tradução para alguns colegas brasileiros em algumas ocasiões em plenárias e sessões, para garantir que eles participassem do que estava sendo falado no evento em tempo real. Também ocorreu uma reunião só com membros da rede de jovens, na qual os jovens buscaram costurar estratégias junto ao governo para desenvolver ações voltadas para a juventude e o fortalecimento da resposta à juvenização da AIDS.

Uma luz no cenário de enfrentamento à juvenização do HIV – Impressões pessoais sobre a XX Conferência Internacional de AIDS

A 20ª Conferência Internacional de Aids de 2014 foi marcada por muita interlocução e diálogo entre ativistas, pesquisadores, profissionais e pessoas que trabalham com questões relacionadas ao enfrentamento da aids, a luta contra o preconceito e o estigma que as pessoas que vivem com HIV sofrem. O Brasil foi pioneiro na resposta à aids e, recentemente, tem notado um aumento nas infecções entre homens jovens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), principalmente entre o público jovem de 15 a 24 anos. Esse dado da aids remete a algo que eu, como jovem, já percebia desde 2012. Estamos enfrentamento um cenário de juvenização da doença. Acredito que é preciso uma ação conjunta dos governos em todos os níveis, da sociedade civil e das agências da ONU no sentido de buscarem novos caminhos para obter informações e estratégias em relação ao tratamento e prevenção, a fim de salvar a vida de uma nova geração que não se percebe em maior risco de se infectar e banaliza o sexo seguro.

Sem sombra de dúvidas, essa foi uma conferência que deu visibilidade e vez à juventude, tanto em relação à programação dos painéis quanto em relação à participação. Vários painéis tratavam a questão da juventude, desde o aspecto da comunicação até as questões relacionadas a atenção nos serviços de saúde. Um ponto importantíssimo foi um estudo de caso apresentado por pesquisadores dos EUA, que foi realizado para adequar a linguagem e a comunicação realizada para a juventude em relação a prevenção e educação sexual. No estudo desenvolveu-se aplicativos para smartphones e redes sociais e games no sentido de buscar atingir e acessar adolescentes e jovens levando informação e conscientização em relação ao HIV, DSTs, gênero e saúde sexual e reprodutiva. O estudo teve êxito e conseguiu transmitir a mensagem a aproximadamente 90% dos adolescentes e jovens que fizeram parte do projeto, corroborando que hoje é preciso adequar campanhas e estratégias em comunicação com os mecanismos modernos disponibilizados dos quais muitos adolescentes e jovens tem acesso como aplicativos e redes sociais, na busca de utilizar uma linguagem mais moderna, assertiva e que de fato dialogue com a juventude. É importante se basear em estudos feitos com as TICs (tecnologia da informação e comunicação) para construir ações voltadas para a juventude brasileira, justamente para se criar uma linguagem eficaz e adequada para essa comunidade.

Outro aspecto importante diz respeito à AIDS pediátrica que voltou a receber a devida atenção. A sociedade internacional se comprometeu a remanejar $1,5 milhões de libras, doados pela empresa ViiV Healthcare, para esse segmento de maneira a garantir que entraves relacionados a AIDS entre crianças sejam superados. Os investimentos serão direcionados tanto para pesquisas quanto para fortalecimento de profissionais qualificados na área, para terem o conhecimento necessário para atender crianças que nascem com o vírus HIV e dar uma atenção especial às mesmas, tanto no sentido de assistência quanto no sentido de tratamento. Todavia é consenso que as drogas hoje disponíveis para tratar as crianças precisam ser revistas e é preciso trabalhar para que se tenham drogas que facilitem a adesão por parte de crianças e adolescentes vivendo com HIV. As linhas de trabalho se basearão em 3 segmentos: a duração da primeira linha de tratamento, a transição da adolescência para a vida adulta e a criação de um banco de dados com esses registros que fique disponível para pesquisadores na área desenvolverem outros trabalhos.

A Conferência Internacional de Aids serviu de molde para entendermos melhor algumas questões relacionadas à prevalência do HIV no público jovem e as formas e estratégias de produzir campanhas de conscientização focadas em prevenção para a juventude. Portanto, acredito que o momento pós-retorno da conferência será de alinhavar ações e retomar diálogos voltados para a juventude em parceria com os governos e agências visando fortalecer a participação social desse grupo dentro das ações públicas em relação a perspectiva de jovens que vivem com HIV, para construir estratégias de enfrentamento à juvenização da aids no Brasil.

No mais, não houve em Melbourne grandes anúncios e nenhum estudo inovador que nos permita conter a aids, mas sem sombra de dúvida, todas as pessoas que saíram dessa conferência, assim como eu, saem renovadas, cheias de esperanças e acreditando que estamos no caminho para encontrar a resposta que todos os participantes, sem exceção, buscavam e ainda buscam: a cura da aids.

Vôo MH17 – Perda de ativistas e pesquisadores a caminho da conferência

Não poderia começar esse relatório sem mencionar meus sentimentos a perda dos participantes que estavam a caminho da conferência internacional de AIDS e perderam suas vidas após a queda do avião da Malaysia Airlines, derrubado no dia 17/07, há 3 dias do início oficial da conferência. Perder pessoas num atentado como esse é triste. Perder ativistas, pesquisadores e pessoas comprometidas com a luta contra a AIDS é ainda mais doloroso, porque são pessoas que de alguma forma dedicaram seu tempo e suas vidas em realizar pesquisas, em combater o preconceito em relação a AIDS ou de simplesmente integrar mecanismos e organizações de resposta a epidemia.

Iniciando os trabalhos

Na abertura da conferência de AIDS 2014, a então presidente da sociedade internacional de AIDS, Françoise Barré-Sinoussi, reiterou que muito ainda precisa ser feito para combater a epidemia de AIDS no mundo e que mesmo o fato do tratamento antirretroviral ter sido ampliado, ainda é preciso avançar muito para ampliar ainda mais o tratamento, obter drogas menos tóxicas e agressivas de maneira a garantir a qualidade de vida das pessoas portadoras do vírus da AIDS. Ela ainda salientou que a busca pela cura e por vacinas é um caminho que ainda necessita ser muito estudado e pesquisado.

Profilaxia Pré-exposição como estratégia para as populações-chave

Alguns dias antes da conferência internacional de AIDS 2014 acontecer, a OMS soltou uma recomendação mundial na qual recomendava a PreP para homens que fazem sexo com homens (HSH), bem como para outras populações-chave, isto é, comunidades mais afetadas pela infecção do vírus HIV, como trabalhadoras sexuais, carcerários, usuários de drogas e transgêneros. A OMS soltou essa recomendação se baseando sobretudo em questões comportamentais, de maneira a entender que as pessoas dessas comunidades possuem risco acrescido de contrair o vírus HIV e, justamente por isso, o uso de antirretrovirais deve ser tido como forma de prevenção a essas populações. De acordo com a fala do Dr. Fábio Mesquita, no Brasil devemos ter a PreP em meados de 2015, embora já tenhamos estudos coordenados sobre ela no IPEC/FIOCRUZ e CRT através da frente de pesquisa PreP Brasil, no intuito de mensurar sua eficácia e a taxa de soroconversão nas pessoas através do uso do truvada (composto por tenofovir e entricitabina) fornecido pela Gillead para os testes desse estudo. Nos EUA a PreP é recomendada desde 2012 e a conferência serviu para que os demais países pudessem conhecer de perto os desdobramentos da profilaxia e se houve uma mudança no rumo da epidemia no país com o uso da PreP como medida profilática e os pontos positivos e negativos dessa recomendação.

Dentre as várias questões pertinentes levantadas sobre PreP na conferência, vou mencionar algumas que particularmente considero importantes:

Dos 54 países africanos, 31 já possuem leis antigays, sendo que Uganda e Nigéria assinaram leis que criminalizam relacionamentos de pessoas do mesmo sexo com sentenças chegando até 14 anos de prisão, além do fato de que a lei não se restringe a nativos, pode ser aplicada inclusive em estrangeiros que frequentam o país. Diante desses cenários, vários países começaram a cortar o envio de recursos, inclusive destinados a AIDS por discordar de leis punitivas aplicadas contra os gays nesses países. Isso trouxe reflexões aos presentes na conferência porque como vamos combater a AIDS nesses países e nas comunidades-chave sem recursos e sem apoio de outros países?!

Com base em estudos de caso em pessoas transgêneros, gays e HSH, percebeu-se que a PreP é vista como um mecanismo adicional de proteção e prevenção ao risco de contrair o HIV. Porém, em contrapartida, outros apontaram que as pessoas, principalmente jovens de 15-24 anos e adeptas à redução de risco, vêem na PreP uma forma de obterem mais prazer e se livrarem de uma vez por todas do uso do preservativo. Essa posição levantou vários questionamentos uma vez que a PreP não é 100% segura e o uso dele deveria ser associado a camisinha, isto é, um acréscimo ao preservativo como forma de prevenção combinada entre dois mecanismos distintos de profilaxia para o vírus HIV.

As estratégias de redução de risco se mostraram amplamente utilizadas em países como a Austrália e EUA, o que é uma estratégia perigosa porque depende muito do bom diálogo e conhecimento do parceiro na relação sexual e isso nem sempre acontece nas relações casuais, acarretando riscos às pessoas adeptas a tal prática, independente de utilizarem posições sexuais estratégicas ou de interromper/segurar a ejaculação, já que a posição sexual por mais que reduza não evita o risco de contrair o HIV e o líquido pré-seminal contém vírus da mesma forma que o presente na ejaculação.

A posição do fórum global de HSH (MSMGF – The global fórum on MSM and HIV)

Membros do fórum global se reuniram na conferência para debater especificamente a recomendação global da OMS de PreP para homens que fazem sexo com homens e questões relacionadas à epidemia de AIDS nessa população. O ponto mais tocante de toda a reunião foi o entrave que é lidar com o estigma de ser HSH e ainda carregar o estigma de irresponsável ou imprudente adotando o uso da PreP, visto que foi consenso entre os presentes que as pessoas, independente de orientação, que fazem uso da PreP são vistas como irresponsáveis e até mesmo reféns da profilaxia. Outra questão amplamente discutida é como lidar com as pessoas que não veem a PreP como prevenção combinada junto a camisinha e optam por usá-la somente, desconsiderando o uso do preservativo, criando assim um mecanismo de compensação de risco alternando como um triângulo entre camisinha, camisinha+PreP e PreP somente. Num aspecto geral, questões como o alto custo para a produção da PreP , a oferta da mesma pelo sistema público de saúde e pouca ou quase nenhuma informação sobre educação sexual, visto que PreP se torna invalidada quando utilizada de forma descontinuada, em alguns países podem comprometer a estratégia como prevenção já que muitos países possuem dificuldades para acessar os métodos preventivos nos serviços públicos de saúde quando a oferta já é gratuita e garantida por lei e que portanto a recomendação, mesmo que fundamentada, ainda precisa ser bastante discutida.

A OMS e o contexto de PreP para populações-chave

Durante a conferência internacional de AIDS, a OMS lançou o novo Guia Consolidado de Novas Diretrizes para Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do HIV, que aborda a questão do enfrentamento da epidemia de AIDS dentro de comunidades pertencente as chamadas “key populations” ou populações-chave, anteriormente chamados de populações vulneráveis e grupo de risco. Basicamente as populações-chave tratadas no guia são as trabalhadoras sexuais, homens que fazem sexo com homens, transgêneros, gays, carcerários e usuários de drogas. Segundo a OMS, o sistema de saúde é falho quando deveria oferecer uma atenção adequada e mais assertiva para essas comunidades no sentido de garantir o aporte necessário para reduzir o risco de infecção pelo vírus HIV. A OMS trabalha com a meta de acabar com o HIV até 2030 e diante disso tem realizado uma série de estudos e pesquisas, sobretudo em populações-chave, no sentido de buscar algumas respostas e compreender as falhas dos serviços de saúde para atender as demandas dessas comunidades. Segundo o diretor do departamento de HIV da OMS, Gottfried Hirnshall, o relatório com a recomendação da OMS visa reforçar o fato comprovado por eles através de pesquisas e estudos que o uso da PreP pode reduzir a incidência do HIV entre 20% e 25% globalmente, evitando, segundo cálculos da própria OMS, até 1 milhão de novos casos nas comunidades pertencentes as populações-chave.

De acordo com Hirnshall, essas populações têm até 19x mais chance de contrair o HIV do que as demais e que a recomendação vem de encontro a essas estimativas e estudos no sentido de garantir que essas comunidades não sejam responsáveis pelo aumento da incidência de infecção pelo HIV. Para ele as estratégias de novas tecnologias em prevenção e a prevenção combinada serão a principal arma para evitar que essa estimativa se torne uma realidade. A fala de Hirnshall segue alinhada a recomendação da OMS e vai de encontro ao fato de que homens que fazem sexo com homens, transgêneros, carcerários, usuários de drogas injetáveis e profissionais do sexo carecem de políticas e programas voltados para a prevenção, tratamento e diagnóstico e que é preciso ainda fortalecer as formas de comunicação para alcançar essas populações e levar a informação sobre HIV nessas comunidades. Hirnshall juntamente com Rachel Baggaley, coordenadora de prevenção em populações-chave para o HIV, reforçaram a ideia de que a PreP não deve ser vista como uma forma de profilaxia sozinha, mas sim num conjunto com as outras medidas profiláticas já existentes como a camisinha e o gel, reforçando o caráter de prevenção combinada, que por sua vez, segundo Baggaley, é um consenso no que tange a eficiência entre as pessoas dessas comunidades já que para elaboração do guia todas essas comunidades foram escutadas e houve um diálogo estreito a respeito da PreP e seus desdobramentos nessas populações, sendo unanimidade o fato de que a prevenção combinada seria uma estratégia eficaz e que tem tudo para dar certo e mudar o rumo do enfrentamento da epidemia de AIDS nessas populações e no mundo.

O diretor do departamento de AIDS e hepatites virais do Brasil, Dr. Fábio Mesquita, estava presente na mesa e segundo ele é inegável o fato de que as pesquisas e evidências apontam a PreP como uma estratégia eficaz de enfrentamento a epidemia de AIDS e a importância dela ser trabalhada no contexto de prevenção combinada, sendo um reforço adicional a prevenção do HIV nessas comunidades. Segundo Mesquita o grande desafio é fazer isso se tornar uma realidade e implantar isso nos serviços de saúde para garantir que o acesso chegue a essas populações. Para Fábio, será necessário envolver os profissionais da área, sociedade civil e outros atores que possam somar esforços no sentido de viabilizar que as recomendações presentes no guia sejam incorporadas aos países em âmbito nacional.

Posição da GNP+ (Global Network of People living with HIV)

A GNP+ esteve presente nesse painel de divulgação do guia da OMS, apresentando a perspectiva da comunidade vivendo com HIV em relação as práticas e recomendações sugeridas pela OMS no guia. Segundo Ed Ngokisin, membro da rede, o guia tem uma linguagem muito técnica e de difícil acesso e, diante disso, as pessoas interessadas, sobretudo as de população-chave, terão dificuldades para compreender e interpretar as recomendações do guia e isso pode se tornar um entrave para que as recomendações e práticas presentes no material se tornem uma realidade na prática para as pessoas. Para Ngokisin, o guia é importante porque é fruto de um estudo detalhado a respeito da incidência do HIV nas populações que são mais afetadas por ele, mas deve ser um material que realmente dialogue com esses indivíduos e tenha uma linguagem menos técnica e que facilite a compreensão das pessoas interessadas justamente para permitir que as recomendações citadas no guia sejam aderidas por essas comunidades.

Posição da OMS sobre a aceitação do autoteste

Durante a conferência, a OMS apresentou estudos realizados em alguns países mensurando a aceitação do autoteste e seus desdobramentos nas pessoas que o utilizaram numa sessão chamada “Percebendo o potencial do auto-HIV testing (HIVST). Segundo a Rachel Baggaley, do departamento de HIV da OMS, os resultados preliminares revelam que o teste atendeu as exigências e expectativas por parte da OMS em relação aos paradigmas de testagem estabelecidos pela OMS.

Dentre os dois modelos de testes caseiros disponíveis utilizados na pesquisa, um utiliza o fluido oral (também já disponibilizado no Brasil, realizado através de algumas ONGs junto as populações-chave com capacitação do departamento de AIDS e hepatites virais do ministério da saúde) e o que utiliza sangue por meio de uma picada na ponta do dedo, ainda não disponível no Brasil. Para a OMS, o autoteste é uma estratégia para ampliar a testagem, fortalecer a prevenção e estimular o diagnóstico precoce e segundo eles os estudos e pesquisas nesse conceito estão sendo realizados também para transformar o pensamentos de algumas bases comunitárias e da sociedade civil com relação a aceitação da implementação do autoteste e sua importância. A idéia da OMS é apresentar, por meio dos estudos, bases que corroborem com a posição deles de recomendar o autoteste no sentido de avançar no combate à epidemia de AIDS permitindo o conhecimento do status sorologico da população que realiza o teste para HIV.

Onde estamos agora?

Percebe-se que a maior prevalência do HIV se encontra no continente africano, região que carece de recursos financeiros para o enfrentamento da epidemia de AIDS e devido a isso o número de pessoas morrendo em decorrência da AIDS é muito elevado no continente.

Outro aspecto importante é que, ao analisar a relação dos países com maior incidência do vírus HIV, percebemos que a maioria dos países está em desenvolvimento, sendo que esses 20 países (Brasil ocupa a 15 posição) são responsáveis por concentrarem 80% do total global de pessoas vivendo com HIV. A forma de encarar esse cenário atual da epidemia de AIDS no mundo se traduz na busca por estratégias eficazes e modernas de controlar as infecções pelo HIV, no manuseio adequado das novas tecnologias em prevenção, no trabalho orientado e direcionado as populações-chave, no fomento ao tratamento precoce e como direito universal e na erradicação do estigma que as pessoas vivendo com HIV sofrem.

Protagonismo feminino & bons exemplos de suas lideranças

A Dra. Lydia Munghera, que também é ativista, positiva e membro da rede de pessoas vivendo com HIV/AIDS da Uganda, trouxe a perspectiva da importância de compartilhar bons exemplos e se dedicar a combater o HIV com o coração e amor. Contou sobre suas experiências em relação ao trabalho desenvolvido com pessoas vivendo com HIV e as atividades que coordena em um hospital que trata pessoas vivendo com HIV, voltados para o cuidado e assistência dessas pessoas e da aceitação do diagnóstico. Além disso ela realiza um trabalho muito importante no país com mães positivas, que trabalha a ajuda mútua e a convivência entre essas mães vivendo com HIV e ainda tem um direcionamento para geração de renda através do trabalho artesanal entre essas mães.

A Dra. Jintanat Ananworanich, pediatra e virologista, apresentou a perspectiva de seus trabalhos com estudos de caso em crianças e adolescentes em tratamento para AIDS, porém inovou ao produzir um vídeo contendo o depoimento dos seus pacientes em relação a expectativa deles para a cura da AIDS. O vídeo emocionou a todos os presentes e arrancou aplausos da platéia. Através dos depoimentos, Dra. Jintanat sensibilizou as pessoas e mostrou que o desejo de cura para AIDS é o maior sonho desses jovens e que essa era a expectativa deles para essa conferência internacional de AIDS. Outro aspecto importante é o fato dela trabalhar com crianças e pesquisas de medicações menos tóxicas e nocivas para as mesmas, buscando desenvolver medicamentos que permitam que essas crianças em tratamento para a AIDS tenham mais qualidade de vida.

Trabalhadoras sexuais em evidência

É indiscutível o fato de que a conferência internacional de AIDS desse ano teve as trabalhadoras sexuais entre seus protagonistas. Desde o ato político até os temas dos painéis, não faltou espaço nem contexto para debater questões pertinentes ao enfrentamento da epidemia de AIDS dentro das comunidades das trabalhadoras sexuais. Na perspectiva das trabalhadoras, há pouco incentivo e investimento para se trabalhar prevenção do HIV junto a esse público. Segundo elas, o fato de hoje estarem como populações-chave apresentando grande risco de infecção pelo HIV é consequência da baixa visibilidade em ações e estratégias voltadas para prevenção, conscientização e informação junto a essa população.

Um aspecto importantíssimo e que foi amplamente debatido, inclusive sendo alvo no ato político que aconteceu na Federation Square, é a importância de descriminalizar o trabalho sexual, isto é, acabar com a criminalização que envolve os trabalhadores sexuais e derrubar leis conservadoras e que violam os direitos humanos dessa população, para permitir que essa comunidade seja livre para exercer sua profissão e possa estar presente em espaços importantes, inclusive para compreender melhor questões voltadas para a profilaxia do HIV, como a PreP, PeP, e TASP.

Ato político na Federation Square

Muitas pessoas chamaram de manifestação o ato político que aconteceu durante a conferência internacional de AIDS, em frente ao centro de convenções que servia de sede para o evento em direção a Federation Square. Os participantes da conferência se planejaram e organizaram bem antes, inclusive havia voluntários distribuindo panfletos informando sobre o ato, bem como no próprio aplicativo da conferência era notificado que o ato político aconteceria, também sobre título de manifestação. Dentre os motivos que levaram as pessoas a tomarem as ruas de Melbourne, estavam: externar a insatisfação e inquietação dos presentes com relação à discriminação sob toda e qualquer forma, a leis punitivas que desrespeitam questões de gênero e sexualidade, ao baixo financiamento em pesquisas e ações destinadas a cura da AIDS, à baixa participação e incentivo governamental no que diz respeito a financiamento em ações e programas voltados ao enfrentamento da epidemia de AIDS, ao desrespeito dos trabalhadores sexuais e o não reconhecimento da atividade como profissão e principalmente as vítimas do voo #MH17 e a ausência de encaminhamentos e direcionamentos para a cura da AIDS nessa conferência. O ato se estendeu por toda a Federation Square e mobilizou não só os presentes na conferência mas também pessoas que passaram pelas ruas e a polícia local e resultou numa candlelight vigil (vigília em homenagem as pessoas que morreram em decorrênciada AIDS) na Federation Square.

Bill Clinton reforça a atenção a AIDS pediátrica

Grande destaque da vigésima conferência internacional de AIDS, o ex-presidente Bill Clinton iniciou seu discurso apresentando um panorama da AIDS no mundo e salientando que é preciso dedicar mais atenção e demandar mais estratégias para combater a AIDS em crianças. Segundo ele é preciso retomar os diálogos e debates sobre AIDS pediátrica e discutir financiamentos e investimentos objetivando melhorias na resposta a epidemia de AIDS em crianças.

Segundo o ex-presidente, muitos desafios ainda estão por vir, dentre eles o de ampliação do tratamento de AIDS à população e sua garantia como um direito universal. Além disso ele chamou a atenção para a importância do diagnóstico precoce e do fomento ao teste de HIV como forma de evitar diagnóstico tardio e aumento do número de mortes por AIDS no mundo.

Robin Hood Tax

A fala de Clinton, que se apresentou na plenária mais cheia de toda a conferência, foi interrompida estrategicamente por manifestantes que por sua vez pediram seu apoio ao Robin Hood Tax, que é basicamente um pacote de impostos sobre transações financeiras proposto por um grupo de ONGs e sociedade civil que levam a campanha adiante e que tem como objetivo implementar o imposto em todos os níveis de maneira a perpassar esses ativos circulantes nesses níveis, para que ao taxar as transações financeiras haja um redirecionamento desses valores para o enfrentamento a epidemia de AIDS no mundo.

Protesto contra o preço dos medicamentos para hepatite C

Ativistas e membros da TAG (Treatment Action Group) organizaram um protesto no stand da indústria farmacêutica Gillead, que produz o medicamento para hepatite C chamado Sofosbuvir, uma droga eficaz e capaz de dar a resposta adequada à doença, objetivando redução no preço da medicação ou que ele seja produzido de forma genérica a um custo menor, já que hoje o valor em que a droga é comercializada é inacessível e praticamente impossível de ser acessada pela população que sofre de hepatite C.

Drogas injetáveis e redução de danos sem a devida atenção

Ficou claro que a política de drogas no mundo precisa ser revista, principalmente na questão do financiamento das ações voltadas para redução de danos. Isso porque o número de usuários de drogas infectados pela hepatite C é altíssimo e a medicação utilizada tem um valor alto, impossibilitando muitos de terem acesso ao tratamento no qual a consequência desse cenário é o óbito precoce. Segundo pesquisadores que estiveram na conferência, é necessário redirecionar o financiamento das ações voltadas para redução de danos e utilizá-las de forma correta, visto que hoje existem muitas ações antidrogas e pouco investimento na questão da redução de danos de atenção aos usuários de drogas.

Programa brasileiro de AIDS é elogiado na conferência

Dr. Fábio Mesquita apresentou a perspectiva brasileira em relação ao enfrentamento da epidemia de AIDS no Brasil e abordou as linhas de trabalho adotadas no Brasil como o tratamento como prevenção, a TASP, seguindo o protocolo lançado no final do ano passado e em seguida informou sobre a lei que foi sancionada em junho no Brasil pela presidente Dilma, que criminaliza o preconceito e o estigma a pessoa vivendo com HIV. A notícia foi muito bem recebida na plenária e todos ficaram entusiasmados a lutar por leis semelhantes em seus países como forma de combater o preconceito e o estigma na AIDS.

Frentes de estudo e linhas de pesquisa sobre a cura

A cura ou grandes avanços relacionados a ela ficaram só na expectativa, todavia vale ressaltar algumas linhas de estudo que tiveram resultados promissores em suas fases iniciais:

Tratamento com células-tronco em pessoas vivendo com HIV em tratamento regular para o câncer: durante a conferência, cientistas australianos apresentaram dois estudos de caso de dois pacientes que receberam células-tronco para tratarem o câncer e tornaram-se indefectíveis para o HIV, segundo os cientistas eles começaram a analisar com mais detalhes pessoas que receberam células-tronco para tratar o câncer e que estavam positivas para o HIV. Dois pacientes do universo analisado por eles se mostraram livres do HIV porém a medicação antirretroviral foi mantida como forma de precaução na que estudos semelhantes em pacientes dos EUA apresentados na conferência de 2012, mostrou que após os mesmos pararem com a medicação o vírus retornou.

A pesquisa do Dr. Ole Schmeltz Søgaard foi um ponto alto da conferência de 2014, segundo o pesquisador, um fármaco utilizado para tratar o câncer em pacientes com o vírus HIV possibilita que o vírus saia das células que estão infectadas e sigam para a corrente sanguínea. Como pesquisadores colocaram na conferência, o HIV é “expulso de sua toca”, ou seja, ele é capaz de tirar o vírus do seu reservatório viral. Uma vez na corrente sanguínea, as próprias células do sistema imunológico humano atacam o vírus. Os efeitos foram observados em cinco dos seis pacientes que participaram do estudo. O próximo passo é expandir os testes usando o Romidepsin, fármaco utilizado no estudo, em conjunto com outros fármacos que aumentem a força do sistema imunológico. A ideia é que, com a ajuda dos remédios, o próprio organismo elimine os vírus do corpo.

Outros estudos apontam para a dificuldade de lidar com o reservatório viral formado pelo vírus, uma vez que pesquisas mostram que o vírus cria esses reservatórios, locais em que ele se camufla logo que infectam o corpo humano, dificultando com isso a produção de mecanismos eficazes capazes de erradicar o vírus HIV no corpo devido a formação desses reservatórios virais, o que coloca em cheque a questão do tratamento precoce como forma de reduzir a formação ou o número de reservatórios virais no organismo.

Diego Callisto é integrante da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids, do Fórum Consultivo de Juventude do Unaids e do Pacto Global para o Pós-2015.

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2 thoughts on “Ecos de Melbourne – Relatório de participação na Conferência Internacional de AIDS 2014

  1. Parabéns Diego

    Bela explanação dos temas abordados que me atualizaram

    quanto ao norte das ações encaminhadas para pessoas HIV.

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