29 de março de 2024

Referendo na Irlanda e sínodo católico marcado para outubro ecoam tendência de tolerância que se espalha

Por: Léo Gerchmann
Publicado no portal ZH, em 30 de maio de 2015

(Foto: Rafael Ocana / Arte ZH)

Um episódio recente e outro agendado para outubro sinalizam uma clara mudança de costumes em curso no planeta. A Irlanda, país que fez do catolicismo uma das marcas da sua identidade, tornou-se a primeira nação a aprovar casamento de pessoas de mesmo sexo por meio de consulta popular — em referendo realizado no último dia 22. Outro momento que pode tornar-se histórico está por vir: entre 4 e 25 de outubro, o Sínodo dos Bispos discutirá “A vocação e a missão da família na Igreja do mundo contemporâneo” — e já foi anunciado que um dos principais temas a serem discutidos é o tratamento da Igreja Católica aos homossexuais.

Entre militantes da tolerância e da igualdade de direitos entre todos os cidadãos, porém, o otimismo ainda é contido.

— O papa Francisco fez importantes declarações favoráveis aos direitos homossexuais, mas, pressionado, recuou. A gente vê as forças conservadoras se manifestando abertamente, o que mostra retrocesso. É o caso da bancada fundamentalista no Brasil, com discursos que não ouvíamos havia 10 ou 15 anos. São reações aos avanços — analisa Célio Golin, dirigente do grupo Nuances.

Desde o surgimento de grupos gays como o Nuances, no início dos anos 1990, houve uma mudança de paradigmas. A homossexualidade se tornou tema amplamente debatido.

— Saímos do armário e não voltaremos. Estivemos muitos anos na marginalidade — diz Golin.

Uniões de pessoas do mesmo sexo têm sido admitidas em várias partes do mundo nos últimos anos, mas o debate, os conflitos, os avanços e recuos estão longe de serem recentes.

Na província chinesa de Fujian, durante o período da dinastia Ming, homens e mulheres se comprometiam com outros homens e outras mulheres em documentos lavrados solenemente. Na antiguidade do Ocidente, isso também ocorria. No início do Império Romano, Nero casou Pitágoras, seu escravo, com o jovem Sporus. Também houve o caso do imperador Heliogábalo, que vivia em união estável com um escravo chamado Hiérocles. Essa prática foi reprimida em 342, quando os imperadores cristãos Constâncio II e Constante I determinaram, no Código de Teodósio, que o casamento homossexual em Roma era proibido. Foi estabelecida pena de morte para quem descumprisse a determinação legal. Com o correr dos anos, houve casos isolados de padres que casavam pessoas do mesmo sexo, mas foi só no início da década passada que a prática começou a se tornar mais frequente, em especial na Europa. Atualmente, 1 bilhão de pessoas vivem em áreas que reconhecem a união civil ou o casamento entre homossexuais. No recente caso da Irlanda, 62% da população votou a favor do matrimônio gay — há apenas 22 anos, a homossexualidade era considerada crime no país.

— A evolução é clara. No sínodo de outubro, pode ocorrer um acolher respeitoso. Mas não deve haver uma bênção especial, porque a instituição (a Igreja Católica) ainda não está preparada. O importante é repudiarmos a discriminação — diz o padre Attilio Hartmann, jesuíta como o papa Francisco, que contou ter, em 2013, abençoado uma criança filha de duas mulheres na capela ecumênica do Grêmio, no Estádio Olímpico.

Pesquisa do @voxdotcom mostra que, nos Estados Unidos, a aceitação do casamento entre homossexuais saltou 23 pontos percentuais entre 2001 e 2015: de 40% para 63%.

O advogado Bernardo Amorim, do grupo Somos, vê evolução também no Judiciário brasileiro.

— Não há legislação que trate de união estável ou casamento de maneira explícita, mas, com base na Constituição, nos princípios da igualdade, antidiscriminação, liberdade de planejamento familiar e livre orientação sexual, em maio de 2011 foi decidido que as uniões homossexuais seriam análogas às heterossexuais — diz, completando que, cinco meses depois, duas mulheres tiveram o casamento admitido.

irlandaPor convicção ou inteligência política, líderes mundiais têm manifestado apoio ao casamento homossexual. Em maio de 2012, Barack Obama se tornou o primeiro presidente a defender o casamento gay. Na campanha eleitoral de 2014, Dilma Rousseff manifestou-se a favor da união civil de pessoas do mesmo sexo, seguindo a orientação do STF. Na Europa, o presidente francês François Hollande defende o casamento gay e a adoção de crianças por casais homossexuais. Já o premier espanhol, Mariano Rajoy, nunca viu com simpatia esses casamentos, legalmente previstos no país desde julho de 2005.

A Associação Americana de Psicologia diz que “o casamento civil confere estatuto social e importantes benefícios legais, direitos e privilégios”. Por esse motivo, “a negação do acesso ao casamento a casais do mesmo sexo prejudica pessoas que também sofrem discriminação com base em idade, raça, etnia, deficiência, gênero e identidade de gênero, religião e situação socioeconômica” e “é injusto e discriminatório negar aos casais do mesmo sexo o acesso legal ao casamento civil”.

A Royal College of Psychiatrists, de Londres, completa estabelecendo que “lésbicas, gays e bissexuais (…) têm os mesmos direitos e responsabilidades que os outros cidadãos, o que inclui direitos a uma parceria civil”.

Resistências e pena de morte

Os “bolivarianos” não são receptivos. O líder venezuelano Hugo Chávez se perfilava entre os que são contra o preconceito, mas ressalvava que a Venezuela não aceitaria uma lei prevendo o matrimônio homoafetivo. Evo Morales, da Bolívia, teve de pedir desculpas após fazer um insólito diagnóstico: que comer frango faz o homem ficar careca e gay. O equatoriano Rafael Correa não se fez de rogado. Definiu-se como “progressista em economia e questões sociais”, mas refratário ao aborto e ao matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, por ser “católico praticante”.

Desde 2001, diversos países permitiram casamentos de pessoas do mesmo sexo, por legislação ou decisão judicial. São Holanda, Bélgica, Canadá, Espanha, África do Sul, Noruega, Suécia, Argentina, Islândia, Portugal, Brasil, França, Nova Zelândia, Uruguai, Escócia, Grã-Bretanha, Luxemburgo e Irlanda. Em países como Arábia Saudita, Sudão, Irã, Nigéria e Somália, a homossexualidade é crime punido com pena de morte.

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