20 de abril de 2024

Natalie Angier, do The New York Times

Publicado no UOL, em 3 de dezembro de 2013

O advogado Joshua Wayser (de camisa xadrez) e o artista Richard Schulte
com cinco de seus seis filhos
(David Walter Banks / The New York Times)

A família Schulte-Wayser se parece com os Jetsons: uma mistura entre o tradicional de meados do século 20 e o descolado pós-moderno. Um dos dois pais, Joshua Wayser, sustenta a casa trabalhando como advogado, e é quem pega mais pesado quando o assunto é a lição da escola, a hora de dormir ou a importância das regras da família. O outro, Richard Schulte, descreve a si mesmo como um “encantador de bebês”, que fica em casa para cuidar das duas filhas e quatro filhos do casal.

Wayser, Schulte e os seis filhos adotivos fazem parte de uma das reinvenções mais enfáticas dos padrões familiares atuais. Um número crescente de gays e lésbicas está em busca da paternidade de todas as formas possíveis: adoção, barrigas de aluguel e doação de esperma. “Está acontecendo um ‘boom’ de filhos de gays, isso é uma verdade. Muitos de nossos amigos estão tendo filhos”, afirma Wayser.

Alguns críticos expressam preocupação de que os filhos de pais gays possam sofrer com o estigma social e com a falta de papéis convencionais ou dizem que casais homoafetivos não estão preparados para a monotonia da vida familiar. Os primeiros estudos –frequentemente utilizados nas guerras culturais em torno dos casamentos de homossexuais– sugerem que as crianças que vivem com pais gays tendem a obter notas mais baixas na escola, a apresentar problemas de comportamento e maior risco de uso de drogas ou álcool.

Porém, novas pesquisas sugerem que esse tipo de medo não tem fundamento. Por meio da análise preliminar de dados do censo norte-americano e de outras fontes, Michael J. Rosenfeld, da Universidade de Stanford, revelou que quaisquer problemas que as crianças possam apresentar podem ter origem em outros fatores, como a ruptura do casamento dos pais biológicos.

“Uma vez que esses fatores forem levados em conta, os filhos de pais do mesmo sexo são idênticos aos de pais heterossexuais”, afirma Rosenfeld, autor do livro “The Age of Independence: Interracial Unions, Same-Sex Unions, and the Changing American Family” (“A Era da Independência: Uniões Inter-Raciais, Homoafetivas e a Mudança da Família Americana”, em tradução livre).

Além disso, casais com dois pais, contrariando estereótipos, demonstram ser exemplares na vida doméstica. Em seu estudo de longa duração com famílias não convencionais, Judith Stacey, professora de análise social e cultural na Universidade de Nova York, revelou que as famílias mais estáveis de todas eram as lideradas por homens gays que tiveram os filhos juntos. “Ao longo de 14 anos, fiquei chocada em descobrir que nenhum dos casais de homens gays envolvidos no estudo havia se separado, absolutamente nenhum”, afirma Judith.

Stacey, autora do livro “Unhitched: Love, Marriage and Family Values From West Hollywood to Western China” (“Desligado: Amor, Casamento e Valores Familiares de West Hollywood ao Oeste da China”, em tradução livre), atribuiu o sucesso à autoseleção. “É muito difícil para os homens se tornarem pais. Apenas um pequeno percentual está disposto a assumir esse compromisso”, afirma.

Não há dúvidas em relação ao aumento dos filhos de casais homoafetivos. De acordo com o Instituto Williams da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, o número de casais gays com filhos mais do que dobrou desde a década passada e já passa dos cem mil nos Estados Unidos. Outras estimativas calculam que o número de crianças que vivem com pais gays –tanto casais quanto solteiros– aproxima-se de dois milhões. Ou seja, uma em cada 37 crianças com menos de 18 anos.

Por trás do crescimento da paternidade de casais homoafetivos está o sucesso do movimento pela igualdade de direitos, que levou à legalização do casamento gay em 16 estados norte-americanos e ajudou a facilitar as políticas de adoção em outros lugares. Em 2009, 19% dos casais homoafetivos com filhos afirmavam que as crianças haviam sido adotadas. Em 2000, o total era de 10%. Pais homossexuais têm quatro vezes mais chances de criar filhos adotados, se comparados aos heterossexuais.

Algumas pessoas sentem a necessidade de ter laços de DNA e, nesse aspecto, as mulheres levam vantagem. Muitos filhos de casais de lésbicas são filhos biológicos de uma das mulheres e de um doador de sêmen.

A família Schulte-Wayser

O sobrenome da família Schulte-Wayser não tinha hífen e eles assinavam apenas o nome Wayser. Os dois haviam se separado. Wayser vivia sozinho em Los Angeles e sua carreira como advogado estava indo de vento em popa. Mas ele havia se cansado de se preocupar apenas com o trabalho. “Precisava começar a me ver como pai”, afirma.

Sua mãe ficou felicíssima e se ofereceu para pagar os custos de uma barriga de aluguel, que carregasse o bebê concebido com seu esperma, mas Wayser disse não. “Queria ter alguém que não compartilhasse meus genes. Alguém que fosse completamente diferente de mim”, diz.

Ele se encontrou com um advogado especializado em adoções em março de 2000 e, em junho, tinha uma filha recém-nascida, Julie. Alguns meses depois, Schulte ligou para conversar, ouviu Julie chorando ao fundo e resolveu visitá-la. “Foi amor à primeira vista”, afirmou Schulte. “Eu usei Julie como isca”, reconheceu Wayser. E o antigo namorado mordeu.

“Éramos um casal outra vez”, afirmou Schulte. “Ou melhor: éramos uma família”, corrigiu. Mais tarde, ele e Wayser se casaram em Malibu. De 2002 a 2009, quatro irmãos e uma irmã se juntaram à família –Derek, AJ, Isaac, Shayna e Joey (todos de uma única mãe). “Esse é meu limite”, afirmou Wayser. “Não temos mais espaço”.

Ainda assim, ele diz acreditar que seja mais fácil lidar com uma família grande do que com uma pequena. “Eles se divertem entre si e se organizam”, afirma. “Nós mandamos as crianças para a rua. Dizemos: ‘vá andar de bicicleta, vá brincar lá fora’. Queremos que eles tenham uma infância muito tradicional, em um ambiente fora do comum”.

Wayser admite que se preocupava. Algumas das crianças têm dificuldades de aprendizado, o que exige horas de acompanhamento escolar e ele não sabe os tipos de comportamento de risco que a mãe teve durante a gravidez.

Porém, ele não gosta quando as pessoas notam a cor da pele de seus filhos, bem como seus óbvios recursos financeiros, e falam sobre como ele é nobre e como aqueles crianças tiveram sorte. “Não, quem tem sorte aqui sou eu!”, afirma. “Não estou tentando salvar o mundo.”

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