29 de março de 2024

Imagem usada em campanha de concientização da Secretaria de Saúde da Bahia, em 2012.

Gésner Braga*

Imagem usada em campanha de conscientização da Secretaria de Saúde da Bahia, em 2012.
Imagem usada em campanha da Secretaria de Saúde,
em 2012, onde orgulhosamente mostrei minha cara
e orientação sexual em outdoors na Bahia.

Em 28 de junho, comemoramos o Dia Mundial do Orgulho LGBT. Porém, tenho percebido entre amigos meus um certo estranhamento com relação aos motivos para tanto júbilo. E não estou tratando aqui da típica intolerância de fundamentalistas que vomitam: “ter filho gay não é motivo de orgulho”. Afinal, essa escória não faz parte do meu círculo de amizades. Falo de pessoas próximas, bastante esclarecidas e de visão aberta. Decidi então expor meus motivos.

É recente em nossa memória a história de Alex, menino de 8 anos espancado até a morte pelo pai, em 17 de fevereiro deste ano, sob o argumento de que o garoto era efeminado. De tão cruel, o fato motivou Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL, a dedicar uma homenagem àquela criança, em seu artigo “Para Alex, com carinho”. Jean abre o texto com o seguinte anúncio: “Quem me acompanha por aqui sabe que não tenho, por hábito, tratar de minha vida privada nem de minha intimidade. (…) Mas hoje vou abrir uma exceção…” Bendita a hora e a razão que o fizeram mudar de ideia e expor sua tocante história pessoal de superação que se soma a muitas outras narrativas semelhantes e que nos inspira a seguir em frente. E seguir com orgulho!

Ao longo do seu relato, Jean Wyllys descortina a sua infância marcada por insultos apenas pelo fato de ele não ter “jeito de homem”. Mas foi a percepção da sua condição vulnerável em razão do seu jeito de ser que despertou nele a esmerada dedicação aos estudos, de modo a se tornar alguém admirável. E foi com esta estratégia de sobrevivência, como ele bem define, que se construiu a invejável história cujos frutos hoje conhecemos.

A minha biografia é bem menos dramática, mas guarda semelhanças. Das memórias mais remotas, lembro-me do amor e acolhimento da minha família e da saudosa convivência com amigos de infância. Mas também me lembro do primeiro bullying que sofri no colégio, aos cinco anos. Ali me dei conta de que algo em mim não estava conforme as regras. Eu só não imaginava a forma como eu iria conduzir a minha vida a partir de então e os impactantes desdobramentos que se refletem ainda hoje.

Não vou aqui embarcar novamente numa egotrip e contar toda a minha história como fiz no artigo “Vamos falar de rejeição?”. Não tem precisão, né? Apenas quero destacar como a homofobia sofrida desde a tenra idade, sobretudo no sempre hostil ambiente escolar, semeou em mim a mesma determinação em provar o quanto eu era superior aos meus detratores, uma vontade de calar a todos, de colocá-los no devido lugar de insignificância. Enfim, uma sede de vingança.

As circunstâncias me levaram a crescer mais rápido, mas foram as condições adversas que me transformaram no que sou. E agora, com licença, darei vazão à minha mais absoluta arrogância e falta de modéstia: convenhamos, eu sou bom pacas! A decisão de provar o meu valor fez com que eu projetasse cada detalhe da minha vida de modo a ser bem sucedido. Apesar da minha parca formação educacional em escolas públicas desde o ensino fundamental, consegui estar entre os melhores coeficientes de rendimento em três graduações de universidade federal. Foi também nesse compasso que logrei aprovação em seis concursos públicos bastante concorridos. A minha quase doentia obsessão pela perfeição, consequência direta da necessidade de autoafirmação, ainda hoje faz com que eu me destaque no que me envolvo. E que orgulho isso me dá!

Convivendo entre iguais na mesma peleja, observo que este não é um roteiro apenas meu. Muitos amigos LGBT, especialmente do ativismo social, têm histórias que, apesar de distintas, guardam em sua essência a marca da heroica superação de dissabores. Nosso princípio é a subversão da lógica social perversa que, insistindo em querer cassar o nosso direito à vida plena e digna, tem nossa resiliência e disposição à luta como resposta. Sim, isso é motivo de muito orgulho!

Se deixarmos os microuniversos meu e seu e partirmos para uma análise de amplos horizontes e cenários, podemos observar o mesmo princípio segundo o qual a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade. Valeu pela dica, Newtinho, mas eu acrescentaria um outro fenômeno: a reação é muitas vezes surpreendente.

Vamos a um exemplo prático: o fundamentalismo religioso sempre foi um dos maiores inimigos do movimento LGBT por professar ideias anacrônicas, preconceituosas e criminosas contra homossexuais. No Brasil, observamos seu crescimento na esfera política em razão do poder econômico e do controle das mídias de que dispõem as igrejas. Já o movimento social não possui os mesmos recursos, mas conta com a adesão espontânea de grandes formadores de opinião, a exemplo de celebridades que se revelam homossexuais ou simpáticas à causa, de filmes e novelas que tratam o tema com espantosa frequência e com responsabilidade ou de veículos de comunicação que se tornam porta-vozes da diversidade. Com efeito, a multicolorida bandeira LGBT passa por uma fase de grande prestígio. Com muito esforço, inabalável determinação, pequenas conquistas diárias e eventuais grandes vitórias, vamos orgulhosamente pavimentando nossa estrada. Não por acaso, esta também é a lógica de outros segmentos sociais historicamente oprimidos, como negros e mulheres, que reagiram e assumiram o controle do seu destino, apropriando-se do seu lugar de honra no mundo.

Por esses e outros infindáveis motivos é que posso, sim, declarar a plenos pulmões e com voz altiva que tenho orgulho de ser quem eu sou e desconfio seriamente que este seja o orgulho de muitos. Mas antes que algum néscio resolva fazer uma leitura intencionalmente equivocada e alardear as “benesses” da opressão, eu adianto que, em razão do alto custo social e emocional, os fins não justificam os meios. Tá?

* Gésner Braga é gay, ativista LGBT, jornalista e mantém o site Clipping LGBT.

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6 thoughts on “As razões do meu orgulho

  1. Caro Gésner,
    Muito obrigado e parabéns pelo site! Prático, objetivo e, acima de tudo, substancial! Digna de mais notoriedade, sua iniciativa!
    Att.

  2. Gésner querido parabéns pelo excelente texto. Vem realmente ilustrar o que muitos de nós sentimos com relação a trajetória que seguimos em nossas vidas. No entanto, vejo que em outros tantos momentos o desejo (ou necessidade se preferir) de se autoafirmar, quando não dosado, pode fazer com que o individuo se torne escravo de ser sempre o melhor (o que nem sempre é possível). Apenas uma reflexão sobre algumas pessoas que encontro na minha vida e que tornam escravas de um sintoma cruel: o perfeccionismo. Bj grande.

    1. Well, well, well… Eu sou perfeccionista assumido. Não sei em que grau isso se torna preocupante ou mesmo uma patologia, mas por enquanto está dando para levar. 🙂

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