19 de abril de 2024

Fernando Nunes Publicado no site Somos Homos S/A, em 15 de abril de 2014

“Nós também sofremos com as ideias machistas que regem nosso país”, disse publicitário Thomas Saunders (Reprodução Facebook)

“Nenhum cara fica comigo mais de uma vez, porque eu tenho cara de viadinho”, disse um jovem bailarino, de 23 anos, frustrado com o controverso sistema de escolha de parceiros sexuais nas relações homoafetivas. Embora a voz do rapaz  não denunciasse sua sexualidade, sua aparência e gestos estavam carregadas de códigos que asseguravam qualquer um que ele era gay. Em uma conversa rápida, questionei-lhe se isso era realmente um problema, ele disse que sim. “A maioria dos caras não curte afeminados e se eu quiser pegar alguém, tenho que disfarçar isso”.

O bailarino não é o único oprimido pelo discurso machista e heteronormativo contínuo no posicionamento de centenas de homossexuais, que são ou estão se tornando os gays ideais para nossa sociedade heterossexista. Uma sociedade, comprovadamente, carregada de preconceito contra  a mulher, contra os feminismos e contra o feminino. Dizer “não curto afeminados”, pode até soar natural, mas é um dos frutos da relação de poder, que surge da urgência de subsistência da masculinidade, que não consegue mais alcançar expressão relevante diante da diversidade.

Cansados de vivenciar essa realidade corrosiva e retardante no meio gay, dois amigos decidiram iniciar um movimento na rede social Facebook, com objetivo de promover um debate sobre as perspectivas modernas do gay afeminado, ridicularizado e discriminado. A ideia do movimento nasceu da constatação da polêmica pesquisa do Ipea, divulgada no mês passado. “As mulheres, como sempre, são o alvo forte desse tipo de abuso social, mas os homens também não ficam muito por trás, principalmente, quando você é gay. E digo mais, você não é simplesmente gay, mas um gay afeminado”, escreveu o publicitário Thomas Saunders, 24 anos, ao postar uma foto na rede social com uma placa onde estava escrito “SOU/CURTO AFEMINADO”.

Saunders e o amigo, o DJ e promoter Adrian Brasil, de 26 anos,  resolveram criar a página Sou/Curto Afeminado para agregar gays que compartilhavam do mesmo pensamento. “É muito chato ter que lidar com os ‘patrulheiros da masculinidade gay’ dizendo tudo que eu posso e que não posso fazer para ser aceito. É impressão minha ou estamos nos tornando mais homofóbicos que os héteros? Me recuso a aderir à ditadura do gay ‘discreto’, me recuso a deixar de falar como falo, me vestir como me visto e andar como ando”, escreveu Brasil ao postar sua foto no espaço criado no Facebook na semana passada. Desde então, mais de dois mil usuários curtiram a página e muitos já enviaram suas fotos com com a plaquinha a favor do manifesto.

“Tudo que for signo de ou lido como feminino, feminilidade, de mulher ou não masculino é pior que sua ‘contraparte’ masculina. É por isso, portanto, que nesta nossa cultura: gay viril é maior que gay afeminado; e mais: gay viril é sinônimo de gay cuja orientação sexual passe despercebida em função da expressão de gênero muito próxima daquela esperada de homens héteros viris”, relaciona o artigo Sobre gostos e afeminações, escrito pelo professor Luiz Henrique Colleto, que é mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ativista pelos direitos humanos e vice-presidente da Liga Humanista Secular do Brasil (LiHS).

Montagem feita com perfis do aplicativo Grindr

No artigo, que cita ainda os aplicativos de caça gay, Colleto desenha em um esquema simples as relações de dominação que influenciam diretamente o gosto gay ao lembrar que: hétero viril > gay viril > gay afeminado, e que isso faz parte de uma “hierarquia que reitera a heteronormatividade”. Embora dizer ou escrever nos aplicativos de caça gay que não curte afeminado seja tratado com um direito de expressão natural da própria diversidade homossexual, o discurso é preconceituoso e uma armadilha que mina a amplitude da diversidade gay.

“Nós também sofremos com as ideias machistas que regem nosso país. Sofremos preconceito interno e externo, entre guetos e na rua, na família e até entre ‘amigos’. Se um gay é mais afetado, ‘alegre’ demais ou ‘exagerado’ é vítima de críticas e abusos do mesmo nível. Quantas vezes não ouvi piadas e até tentativas de invadirem meu espaço, só porque sou bem resolvido comigo mesmo? Só porque não preciso esconder quem eu sou, ou fingir ser ‘machão’ para me enquadrar nas leis heteronormativas e me sentir ‘homem suficiente’?” – Thomas Saunders

É importante ressaltar, historicamente, que os homens afeminados sempre foram alvo de discriminação. Nas relações sexuais homoafetivas da Roma Antiga, por exemplo, os afeminados – diretamente associados ao homens passivos na relação sexual – eram ridicularizados e invariavelmente relacionados à figura da mulher que, na sociedade romana, tinha um papel insignificante. Não é um exagero, diante deste cenário histórico, dizer que reproduzir este comportamento  hoje é um retrocesso e, pior, um ataque as conquistas da diversidade.

A impressão que se tem é que estamos distantes de alcançar uma relativa tranquilidade quanto à liberdade de expressão da sexualidade gay. Já não bastasse a reprimenda heterossexual, que sobre o pretexto da ofensa, clama discrição do homossexual masculino ou feminino – que está livre quanto a seu gênero -, tem-se que lidar com os cúmplices, como classificou Simone de Beauvoir ao dizer que “o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”. Haja vista que, dentro do próprio Pajubá – dialeto gay -, existem palavras que reforçam esse status de inferioridade como “quá-quá”, “pok-pok” e “homossexuelen”. 

“Por muito tempo eu achei que se eu me assumisse afeminado, perderia amigos, namorados, ficantes e que nunca mais transaria na vida, mas, hoje descobri que isso não é verdade, e descobri que ser coerente comigo mesmo é umas das coisas que podem me levar à felicidade. Sempre fui e nunca vou deixar de ser afeminado.” – Adrian Brasil

Talvez, o que seja mais curioso dentro desse processo, é a existência de uma inversão da dicotomia e da lógica de dominação. Se antes era o gay passivo afeminado que era oprimido pelo hétero másculo, hoje, é o gay passivo másculo que oprime o gay afeminado ativo e o hétero permanece estático. É nessa inversão que quem oprime acredita que tudo é uma questão de gosto e não há discussão. Minha intenção não é entrar nesse mérito, o do gosto, no tocante a filosofia, mas ressaltar esse processo social que vitima gays viris e afeminados, porque os primeiros estão enredados em modelo que vai de encontro a sua própria constituição sexual.

Não há justiça em dizer que se aceita ou se vive a mesma a sexualidade do outro ao mesmo tempo em que se nega sua livre expressão. Isso é contraditório, mentiroso e fascista. Ainda me surpreendo quando escuto de amigos, que dizem não ter problemas com gays, algum comentário pífio sobre o trejeito de alguém como se eles estivessem num direito superior de expressar sua heterossexualidade em detrimento da homossexualidade. Contudo o direito é o mesmo, assim como incomodava aos brancos a ascensão dos negros, incomoda aos machistas – homens e mulheres – o esvanecimento de sua força.

1 thought on “A prerrogativa de ser/curtir um gay afeminado

  1. É aquela questão: Com o “surgimento” do “Homem que faz Sexo com Homem” e “Transa Gay”, ainda existe Hetero??? Em novembro, um casal “hetero” em que ele é Bissexual e a companheira dele sabe porque ele é autentico, mas busca “controlar”, mas por sermos vizinhos, de manhãzinha num domingo, deu de perceber ele “carente” conversando comigo, que até eu disse pelo visto ele dormindo (literalmente) com mulher porque o “apetite” que ele estava! Passamos o dia juntos e colocando “ele em dia”! A tardinha me agradeceu pelas penetrações que permiti: felizmente somos “anatomicos” (pênis dele com meu anus)! Mas depois pensei Bissexual é Bissexual e ele ter que “saciar-se” com anus masculino, tão somente”!!!

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